Vulnerabilidades de gênero no setor da confecção: as costureiras não são todas iguais
por Luciana Sonck, para o Índice de Transparência da Moda 2022
A desigualdade estrutural entre homens e mulheres, em diversos setores, é ponto de partida para análises das condições de trabalho e o direito dos trabalhadores. Na indústria da moda, quarta maior do país e segunda maior empregadora, estamos falando de uma realidade em que mulheres com os mesmos cargos e funções recebem, em média, 12% a menos que os homens (RAIS, 2020), fato que não se evidencia nos relatórios das principais empresas do país, uma vez que 0% delas dá transparência a essa disparidade, como aponta o ITM deste ano. Ainda que as mulheres representem de 72% a 80% da força de trabalho no setor, há um enorme abismo para que sua qualidade de vida e dignidade no trabalho sejam, de fato, endereçadas.
É por isso que o Ministério Público do Trabalho, em parceria com a UNOPS, a ONU Mulheres e a Tewá 225, lançou o estudo Mulheres na Confecção: estudo sobre gênero e condições de trabalho na indústria da moda, em agosto deste ano (2022).
A indústria da moda, apesar de movimentar quase 200 bilhões de reais anualmente (Fashion Network, 2022) e representar cerca de 23% do total de faturamento de toda a Indústria de Transformação (IBGE, 2021), ainda é uma das que pior remuneram seus trabalhadores, e isso se reflete na sobreposição de vulnerabilidades quando consideramos as questões de gênero.
O estudo, realizado com 140 mulheres trabalhadoras do setor de confecção na Região Metropolitana de São Paulo, evidenciou que a renda familiar da maioria das trabalhadoras é de um a dois salários mínimos, colocando em risco a segurança alimentar e habitacional de suas famílias, uma vez que de 45% a 65% delas são as únicas responsáveis pelo sustento.
A complexidade aumenta nas interseccionalidades do gênero, afinal, mulheres também estão em condições desiguais entre si. No caso da indústria da moda, é evidente a vulnerabilização das trabalhadoras migrantes e refugiadas: enquanto a renda familiar das trabalhadoras brasileiras é de um a dois salários mínimos, entre as migrantes e refugiadas esse valor cai para meio a um salário mínimo. Observando os recortes de raça, também se nota que trabalhadores negros e negras recebem cerca de 18,5% a menos que brancos e brancas.
No caso da indústria da moda, é evidente a vulnerabilização das trabalhadoras migrantes e refugiadas: enquanto a renda familiar das trabalhadoras brasileiras é de um a dois salários mínimos, entre as migrantes e refugiadas esse valor cai para meio a um salário mínimo.
Outra evidência apontada pelo estudo é o acesso às condições de dignidade entre as trabalhadoras: enquanto as brasileiras encontram-se em condições de emprego formal (30,9%), trabalhando até 9h por dia (95,8%), as refugiadas e migrantes são em sua maioria trabalhadoras informais (51,2%), com jornadas de mais de 12h por dia (72,1%). Ainda foram registradas realidades em que trabalhadoras não recebem por sua atividade, sendo 1% das brasileiras e quase 5% das migrantes e refugiadas, o que evidencia e alerta para situações análogas à escravidão.
Dentre os dados coletados, o ITM deste ano nos aponta que apenas 10% das empresas publicam dados sobre a existência de violações trabalhistas relacionadas a gênero nas instalações dos seus fornecedores, o que representa um cenário de absoluto desconhecimento das condições de trabalho em toda a cadeia.
Enquanto apenas 5% das empresas analisadas pelo ITM divulga publicamente promover ações com foco na promoção da igualdade de gênero nas instalações dos fornecedores, 67% das trabalhadoras entrevistadas aponta a informalidade como principal barreira para o acesso a melhores condições de trabalho.
A ausência de políticas públicas também foi relatada por 61% a 80% das entrevistadas. A pesquisa conseguiu identificar o seu desejo para o futuro: para as brasileiras, um forte apelo para a melhoria da renda, e para as refugiadas e migrantes, o desejo por jornadas de trabalho menores e acesso a condições dignas de trabalho – seja pelo emprego formal ou pelo empreendedorismo.
Ainda será preciso caminhar muito para que as vulnerabilidades de gênero na indústria da moda sejam, de fato, enfrentadas.
Escrito por Luciana Sonck, Sócia-fundadora da Tewá 225 e Especialista em Desenvolvimento Sustentável
Texto retirado do Índice de Transparência da Moda de 2022.