Produção de Têxteis no Norte de Portugal: Uma Alternativa Mais Responsável?

By Mariana Costa

4 years ago

A indústria têxtil em Portugal ganhou, ao longo dos anos, reconhecimento e prestígio global pela sua qualidade, inovação, criatividade, resiliência e capacidade de resposta. De facto, a maioria das instalações de produção em Portugal têm controlo sobre toda a cadeia de produção, desde a fiação e tecelagem até à tinturaria e acabamento, tornando-a um dos centros de produção têxtil e de vestuário mais inovadores da Europa. Mas há mais…

Durante a última década, a indústria têxtil no país tem sido reconhecida pelo seu impressionante artesanato e perícia em vestuário e têxteis de alta qualidade. Por exemplo, o “Made In Portugal” tornou-se um símbolo de qualidade e fiabilidade, produzido num ambiente social e ecologicamente responsável.

Mas antes de avançar com esta análise, vale a pena analisar alguns factos históricos sobre a indústria têxtil no norte de Portugal:

  1. Devido ao seu passado colonial e influências, a indústria do vestuário portuguesa utilizava tecidos, incluindo seda da Índia e algodão de África, para produzir peças de vestuário tradicionais portuguesas. Esta é uma indústria que remonta à época colonial e os fabricantes desenvolveram o know-how e a tecnologia para produzir peças de vestuário de alta qualidade a um custo inferior ao de muitas outras congéneres europeias.
  2. Durante o século XIX, surgiu o nicho de produção de linho. As fibras de linho eram importadas de Hamburgo, e as regiões do norte de Portugal estavam preparadas para se especializarem na indústria. Esta região em particular é bem servida pelo abastecimento de água, através de muitos pequenos rios – necessários à indústria têxtil. O linho era um material especial utilizado em vestuário porque o processo de tingimento era livre de produtos químicos agressivos e irritantes, produzindo um tecido flexível que se tornava cada vez mais macio com a lavagem. Ao contrário da indústria do algodão, o negócio do linho não era dependente da fábrica. Começou como um passatempo doméstico sendo que as pessoas tecíam os seus próprios lençóis em pequenos teares domésticos.
  3. Segundo a ATP (Associação Têxtil e Vestuário de Portugal), em 2018, o volume de negócios da indústria têxtil portuguesa representava cerca de 7,610 milhões de euros e as exportações 5,328 milhões de euros, o que representa 10% das exportações nacionais.

Portugal tem uma longa história entrelaçada com a indústria têxtil e continua a ser bastante impressionante a forma como se destaca no meio. A pequena região norte do país é um grande exemplo disso. Ao longo dos anos de recessão económica, abandono gradual de fábricas e armazéns vazios, algumas empresas resilientes mantiveram-se intactas e ainda revigorantes.

O comércio têxtil português parece estar aqui para ficar nos próximos anos, mas o que significa realmente produzir em Portugal?

#1 Práticas e Relações Laborais

Não esqueçamos que as condições de trabalho em Portugal foram muito afetadas pela crise em 2008. Segundo o Eurostat, muitos empregos foram perdidos e a taxa de desemprego atingiu o pico de quase 17%. Mais adiante, os rendimentos médios diminuíram e a incidência do trabalho temporário é uma das mais elevadas da UE. Não existe muito que esteja a mudar ou, pelo menos, não tão rapidamente. Este cenário também se aplica à indústria do vestuário, naturalmente.

Houve algumas mudanças incorporadas na legislação laboral para superar o impacto das crises económicas. O cálculo das horas de trabalho tornou-se mais flexível para uma adaptação mais fácil às encomendas (cada vez menores) e variações mais elevadas nas épocas altas e baixas. As relações de poder neste setor foram afetadas com revisões do código do trabalho, a par de medidas estabelecidas pela União Europeia para ajudar à recuperação. Os parceiros sociais viram a seu poder de negociação enfraquecido, principalmente em relação aos salários base, como resultado de medidas de emergência para ajudar à recuperação económica.

Portugal é considerado um país onde o respeito pelos direitos humanos é parte integrante da atividade. Isto é especialmente importante quando vemos que esta indústria está enraizada na tendência de escolher fábricas onde a proteção dos trabalhadores se tornou, de forma chocante, volátil em troca de mão-de-obra barata e margens de lucro elevadas. Contudo, é importante não esquecer que as medidas de austeridade introduzidas no contexto da crise financeira e económica internacional tiveram um impacto negativo na proteção dos direitos humanos, em particular os direitos económicos e sociais dos grupos mais vulneráveis em Portugal, incluindo os trabalhadores do vestuário. As práticas do mercado de trabalho tornaram-se mais flexíveis, com custos laborais mais baixos e novas disposições de tempo de trabalho que reforçam a posição global dos empregadores, enquanto, por outro lado, enfraquecem o poder de negociação dos parceiros sociais para influenciar as condições de trabalho. Para uma análise mais detalhada, podes ler o estudo de caso apresentado pela OXFAM “The True Cost Of Austerity and Inequality” (O verdadeiro custo da Austeridade e Desigualdade).

A proteção dos direitos económicos e sociais em Portugal pode, por vezes, ser um tema sensível. No entanto, é de salientar que o país é membro da maioria dos pactos universais e regionais de Direitos Humanos, de todos os protocolos e pactos do Conselho da Europa, bem como das Nações Unidas, Organização Internacional do Trabalho, UNESCO e Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, entre outros. Por esta razão, é, de alguma forma, seguro dizer que as práticas laborais em Portugal são socialmente responsáveis.

#2 Responsabilidade Ambiental

Todas as empresas em Portugal têm de cumprir a legislação ambiental para poderem operar. Nos últimos anos, uma das principais prioridades da indústria têxtil tem sido trabalhar no sentido de harmonizar sistemas, procedimentos e processos com a União Europeia e com as normas ambientais da ISO. Existe também uma prática em palco para implementar estratégias coerentes e harmonizadas com outros países interessados do ponto de vista ambiental. Um grande número de empresas tem também desenvolvido fibras e tecidos sustentáveis juntamente com outras certificações – BCI (Better Cotton initiative), GOTs and Sustainability.

#3 Auditável e Transparente

O 24 de Abril de 2013 será para sempre marcado por uma catástrofe onde mais de 1100 pessoas morreram quando a fábrica de Rana Plaza desabou no Bangladesh. No meio dos escombros, foi possível encontrar etiquetas de vários retalhistas. As marcas afirmam que não sabiam que os seus produtos eram aí fabricados – um edifício ilegal construído em pantanal. Após este grave incidente, tem havido uma preocupação crescente das empresas de vestuário relativamente ao riscos que tal acarreta para a imagem e reputação e aos custos associados em caso de ausência de rastreamento nas cadeias de fornecimento dos produtos.

Rastreamento é definido como “a capacidade de rastrear e seguir […] [o fluxo de um produto] ou substância destinada a ser, ou a ser incorporada num […] [produto], através de todas as fases de produção, transformação e distribuição”. (Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia, 2002, cap. 1, artigo 3, 15). Esta é uma tarefa com uma dificuldade acrescida quando se trata de uma indústria global interligada, contudo conhecida pela sua fragmentação.

A necessidade de rastreamento dentro das cadeias de fornecimento de moda é uma das principais razões pelas quais Portugal é capaz de se diferenciar das suas congéneres. Os dois principais fatores críticos de sucesso para marcas e retalhistas são: rastreamento através da cadeia de abastecimento e entrega de informação transparente aos sub-contratantes.

Sabias que Portugal tem profissionais qualificados para auditar os Sistemas de Gestão Integrada de normas internacionais? Toma como exemplo a ISO 9001, ISO14001 e SA8000. O facto da maioria das empresas deste setor – desde a concepção até à distribuição – estarem localizadas no norte de Portugal é também uma grande ajuda. Este cluster cobre toda a cadeia de valor que, consequentemente, cria fortes relações sinérgicas entre as empresas.

#4 Qualidade

Portugal é atualmente uma das indústrias têxteis mais fortes da Europa e cada vez mais conhecida pela sua perícia em camisas, camisolas e têxteis domésticos alinhados com os desenhadores qualificados e mestres artesãos.

É também o líder mundial em têxteis técnicos de alta qualidade, especialmente tecidos de alto desempenho e tecidos feitos de materiais reciclados. Sem esquecer, é também o maior fabricante e exportador de calçado e artigos de couro. Torna-se, portanto, fácil de detetar a especialização clara dentro de materiais e peças de vestuário de alta qualidade na região norte de Portugal.

Ao longo dos últimos anos tem sido evidente que a indústria têxtil nacional mostra capacidade, ambição e oportunidades de produção. A pandemia da COVID-19 enfatizou isto ao revelar a capacidade que a indústria portuguesa tinha para a produção em massa em curtos períodos de tempo. Em semanas, milhões de máscaras de proteção foram produzidas para abastecer tanto Portugal como vários outros mercados internacionais. Isto contribui para a já reconhecida flexibilidade, know-how, resposta rápida e adaptação rápida, bem como inovação. É também de salientar a prioridade crescente que a indústria têxtil em Portugal está a dar ao cumprimento da CSR – Corporate Social Responsibility. Como exemplo, o CITEVE, que dá apoio técnico e inovador à indústria têxtil em Portugal, aderiu ao programa inter-regional da UE, RESET, para melhorar os objetivos de conformidade com a CSR. A indústria têxtil portuguesa está, desta forma, muito bem alinhada e a dar prioridade aos seis principais temas-chave desenvolvidos pela RESET:

  • Reciclagem de têxteis e eliminação de resíduos;
  • Consumo de água e poupança de energia, organizações empresariais sustentáveis;
  • Novas práticas químicas sustentáveis, incluindo a redução de substâncias químicas;
  • Têxteis inteligentes e novas formas de produção;
  • Eco-criatividade, fibras naturais, cadeias de valor curtas;
  • Novos materiais e novas aplicações.

A indústria têxtil do norte de Portugal é um dos setores-chave e mais reconhecidos no país, altamente valorizado por diversos intervenientes internacionais. A transparência e as práticas laborais responsáveis, a rapidez da produção, o know-how, a responsabilidade ambiental e a fácil acessibilidade, alinhada com o artesanato criativo, fazem dela um dos melhores pólos de produção de moda. Continuaremos a vê-la crescer, enraizada no seu espírito empreendedor e sempre com o objectivo de continuar a trazer soluções inovadoras para o mundo dos têxteis e da moda.