O impacto do COVID-19 na indústria da moda, Portugal e o mundo

By Fashion Revolution

4 years ago

Face à situação que atravessamos, maioritariamente unidos no isolamento, o movimento Fashion Revolution tem-se focado em compreender como a situação afecta a indústria da moda e os que por todo o mundo confeccionam as nossas roupas e os, pelas piores razões, agora populares EPI’s (Equipamento de Protecção Individual).

Embora muita da sensibilização do movimento Fashion Revolution passe pela redução substancial do consumo individual, compreendemos que face a uma interrupção abrupta da produção de roupas, os impactos, principalmente sociais e no que diz respeito aos mais vulneráveis da cadeia de valor são absolutamente negativos, incalculáveis e complexos.

Apesar de relatos, um pouco por todo o planeta, de regeneração de ecossistemas, o cenário global aponta para que milhões de operários fabris já tenham perdido o seu trabalho e não tenham acesso a redes de apoio social ou financeiro para suportar a pandemia. Algumas organizações alertam para casos de vida ou morte, face à pobreza, causados indirectamente pelo vírus COVID-19.

Nesta indústria, é recorrente que as marcas e os grossistas paguem aos seus fornecedores semanas e até meses depois da entrega do produto. Isto significa que os fabricantes avançam com o investimento nos materiais, deixando o retorno financeiro suspenso por um considerável período de tempo. Com o fecho dos mercados, a diminuição do consumo e em resposta à pandemia, muitas marcas, de diferentes volumes de negócio, cancelaram as suas encomendas ou congelaram pagamentos, mesmo com produtos finalizados e prontos a entregar. Uma situação grave, uma vez que as marcas não se assumem responsáveis pelo impacto destas decisões na vida destes trabalhadores, comunidades e empresas, que se viram obrigadas a destruir este stock parado e dispensar os seus trabalhadores indefinidamente. Mundialmente está em risco também a capacidade de organização colectiva, uma vez que muitos estados de emergência declarados por vários governos nacionais pressupõem a supressão temporária de alguns direitos ou simplesmente condicionam a capacidade de mobilidade dos trabalhadores.

Em Portugal e segundo César Araújo, Presidente da ANIVEC em entrevista ao Dinheiro Vivo, a indústria do vestuário olha para 2020 como “um ano perdido”. Por toda a Europa, as lojas estão fechadas, os consumidores estão em casa e a compra de roupa é a última das suas preocupações. “No vestuário, seguramente, as quebras chegarão aos 80 ou 90%. E mesmo depois da pandemia, o arranque vai ser muito lento, porque o mundo vai estar todo endividado”.

E porque a moda não é só criada nas grandes fábricas, está já em causa a perpetuação de saberes ancestrais e a continuação de pequenos negócios familiares, geridos por artesãos que, num país ou noutro, são tipicamente trabalhadores informais ou independentes, com acesso reduzido a protecção laboral, social ou até de saúde.

Depois da questão de saúde individual e pública, os impactos económicos desta pandemia são a maior preocupação sabendo-se já afectar, não só directamente a indústria têxtil, que representa em Portugal um volume de negócios anual de 7.610 milhões de Euros e 138.000 empregos – 20% do emprego do total da indústria transformadora Portuguesa – (dados de 2018 INE/ATP) sem esquecer as PME’s, cooperativas, artesãos e costureiras, criativos, agricultores e produtores de matérias-primas.

Com tudo isto, acreditamos que a nossa empatia é reforçada pela partilha desta experiência global. E, mesmo a partir de casa, as nossas vozes continuam a poder ser amplificadas e, mais do que nunca, essenciais. O sucesso do actual sistema está à vista e ao juntarmo-nos também nesta causa estaremos a prevenir que a indústria retome o seu caminho normal. Queremos continuar unidos para reconstruí-la como uma indústria que valoriza o bem-estar das pessoas e do planeta acima dos lucros.

Neste espírito, o que podemos então fazer?

Existem algumas acções, a nosso ver, cruciais que contribuem positivamente para esta longa batalha:

1. Escreve às tuas marcas favoritas para conheceres o que estão a fazer para se responsabilizarem quanto à saúde e trabalho das pessoas envolvidas na produção dos seus produtos.

Podes seguir este texto-exemplo para facilmente contactares marcas por e-mail ou redes sociais:

Estimada equipa

MARCA/EMPRESA,

Sou teu/tua cliente e aprecio os vossos produtos. Contudo, estou muito preocupado(a) com o impacto desta pandemia na vida dos trabalhadores e empregados ligados à vossa cadeia de produção.

A Bloomberg News relata que as maiores marcas de moda já cancelaram encomendas no valor de cerca de 1,5 biliões de dólares que afectam cerca de 1000 fábricas só no Bangladeche, desde o início da pandemia pelo virus COVID-19. Outras notícias dão conta de cancelamentos e falta de pagamento de encomendas já finalizadas. Quais os efeitos para os produtores de fibras e operários fabris, frequentemente os mais mal remunerados e vulneráveis desta indústria?

Entendo que o instaurar desta pandemia tenha como principal resposta dos consumidores uma redução drástica no seu consumo e que isso tenha efeitos imediatos e incalculáveis na economia e saúde dos negócios e claro, marcas.

Mas agora, mais do que nunca, não é altura de virar costas aos fornecedores e trabalhadores que, apesar de não terem um vínculo directo, sempre suportaram a produção destes negócios e marcas.

Por tudo isto, gostaria por favor de perguntar #WhoMadeMyClothes e o que estão vocês a fazer para honrar contratos e encomendas existentes, garantir as condições de higiene e segurança e a protecção social dos vossos trabalhadores e/ou fornecedores?

Que medidas estão a tomar para garantir a sustentabilidade financeira, social e ambiental da vossa marca?

Atenciosamente, O TEU NOME

2. Junta-te a uma rede de entreajuda para produção de material hospitalar

O Fashion Revolution Portugal uniu-se a vários parceiros e criamos o Sul em Ação – rede de entreajuda para produção de material hospitalar (à semelhança do projecto Norte em Ação, mas mobilizando o Sul de Portugal).

Todos aqueles que possam contribuir na ajuda do fabrico de equipamento de protecção individual (EPI) – viseiras, máscaras, batas, cógulas, toucas, botas e fatos e outros bens essenciais para instituições de saúde no Sul do País, junta-te ao grupo! Para contribuir a Norte, junta-te ao grupo Norte em Acção.

Preenche o formulário para que saibamos como podes ajudar e, para qualquer questão, envia-nos um e-mail sul.em.acao@gmail.com

3. Partilha de bens locais

Mais do que nunca, estamos em casa com maior consciência daquilo que possuímos e já muitas pessoas aproveitaram esta quarentena para reorganizar os seus armários. Quanto às roupas que já não desejamos, para além de muitas outras opções de descarte responsável, estas doações podem ser úteis para organizações locais e governamentais que apoiem os mais vulneráveis (centros de acolhimento, apoio social e principalmente de suporte à população sem abrigo, que parece infelizmente estar a aumentar face à recessão que estamos a iniciar. Para tal, por favor consulta directamente as organizações locais mais próximas de ti e pergunta quais são as suas necessidades.

4. Junta-te à Fashion Revolution Week 20 a 26 de Abril 2020

Para todos os revolucionários, estas circunstâncias particulares serão uma óptima oportunidade para activar as nossas já populares campanhas #LovedClothesLast, numa celebração às roupas que nos acompanham e #Haulternative, para inspirar outros a repensar o seu armário sem comprar roupa nova!

Dado o nível de excesso de produção que precedeu esta crise, acreditamos que estes dias de isolamento possam trazer novas resoluções e revelações para um mindset de longevidade no que toca às roupas que possuímos. Mas precisamos de muitas vozes juntas e tu, podes ajudar-nos a espalhar a palavra!

Envia um email com o assunto “REVOLUCIONÁRI@2020“ para portugal@fashionrevolution.org e receberás uma resposta com sugestões do que poderás fazer durante a semana para te juntares a este movimento global!

O movimento Fashion Revolution está a trabalhar na facilitação da informação e comunicação entre as partes a um nível global.

Podes acompanhar as actualizações diárias da situação em todo o mundo aqui (em inglês):

The impact of COVID-19 on the people who make our clothes