Plantar é um ato revolucionário: a participação das mulheres na transição para modelos agrícolas mais justos

By Fashion Revolution Brazil

4 years ago

por Larissa Duarte | Jurema*

~No mês das mulheres, preparamos uma série de publicações co-criadas com a startup Jurema*, confira a primeira e a segunda matéria já disponível em nosso Blog: “Como nos organizar em comunidade e ressignificar nossas relações“ e “Atualização linguística: novos tempos pedem novo vocabulário“. Vamos juntos revolucionar a forma como nos relacionamos, nos acompanhe nesta conversa!

O setor têxtil e moda e a agricultura estão intimamente relacionados no que diz respeito à produção de fibras vegetais têxteis, tais como aquelas comercializadas em escala, algodão, linho, juta, cânhamo, etc. Também a celulose para produção da viscose, proveniente por exemplo do eucalipto. Ainda o potencial inovador de fibras não convencionais, atualmente transformadas artesanalmente, como tucum, buriti, tururi, banana prata, urtiga, etc. E até resíduos vegetais provindos da indústria alimentícia, como cascas de uva e laranja, coroa do abacaxi, etc., que com a tecnologia adequada então sendo transformados em materiais têxteis.

Dados sobre a participação de homens e mulheres na agricultura brasileira mostram que são as atividades mais praticadas pelos homens. A agricultura familiar aposta no cultivo diversificado, desenvolvido em pequenas áreas com capacidade para satisfazer as necessidades básicas por alimento da população e gerar mais empregos no campo. Na agricultura familiar diferentes papéis são atribuídos a homens e mulheres em uma hierarquia e o baixo valor atribuído ao trabalho das mulheres, assim como sua exclusão da herança de terras, pode explicar a predominância de mulheres jovens entre os imigrantes de áreas rurais (Brumer, 2008).

Contudo modelos como a agricultura agroecológica, que incluem princípios de incentivo à diversidade e solidariedade entre a população, bem como a capacitação de mulheres e jovens para o trabalho do campo, estão mudando esta realidade. Dando ênfase em normas como a descentralização, integridade e união da comunidade, harmonia com o meio ambiente e diversidade de culturas (Daigle et al., 2020).

Para atender à demanda por alimentos e outros materiais vegetais como madeiras, fibras, óleos, etc., os sistemas agrícolas precisam fazer a transição do paradigma de agricultura industrial para modelos agrícolas mais integrados, que podem conservar e nutrir os solos, a água e a biodiversidade, e são ambientalmente não degradantes, tecnicamente apropriados e socioeconomicamente viáveis. Os desafios que necessitam imediata transição ​​estão relacionados às questões socioeconômicas (por exemplo, meios de subsistência rurais, desenvolvimento comunitário, mercados emergentes), saúde humana e a integridade do meio ambiente (por exemplo, justiça ambiental e mudanças climáticas). Resolver esses desafios é cada vez mais importante, assim como apoiar políticas que enfatizam a inovação para realizar a transição para novos modelos (Pigford et al., 2018).

Um exemplo interessante, no caso de comunidades e associações que produzem e comercializam alimentos e fibras agroecológicas e orgânicas, é que as mulheres estão ocupando cargos de liderança em Organismos Participativos de Avaliação de Conformidade (OPACs). Estas organizações são responsáveis por verificar a certificação orgânica em Sistemas Participativos de Garantia (SPGs). Estes sistemas de validação, por sua vez, simplificam alguns procedimentos burocráticos para reduzir os custos dos agricultores, uma vez que não envolvem um organismo internacional de certificação. A certificação participativa pode ajudar a aumentar a confiança por meio do envolvimento dos agricultores no processo todo de certificação, estimulando a participação das mulheres (Hirata et al., 2019). Agricultores que são membros de associações vivenciam melhor o intercâmbio de informações, o que proporciona maior disseminação de conhecimento e facilita o crescimento de experiências agroecológicas.

Para que o número de mulheres agricultoras continue aumentando, é necessário o fornecimento de programas de treinamento para mulheres rurais, capacitação em gestão, finanças, marketing, vendas e empreendedorismo para motivar habilidades de liderança. Assim como, mais acesso a políticas de crédito e assistência técnica (Said e Moreira, 2015). A participação feminina mantém a oferta de mão-de-obra agrícola e garante a segurança alimentar da família (Vennila e Ramesh, 2019).

Ao mesmo tempo, “estagnação” é a palavra que muitos usam para descrever o movimento estagnado das mulheres em posições de liderança em geral, seja no campo ou na cidade. Essa estagnação é um componente-chave da desigualdade de gênero na força de trabalho, mas sua persistência ainda é mal compreendida. O avanço das mulheres é lento por causa das defesas sociais no nível organizacional, juntamente com crenças culturais mais amplas resistentes à mudança. Somente quando mulheres e homens puderem seguir suas vidas de modo que as demandas e as gratificações seja no trabalho ou no lar não precisem ter precedência sobre o outro, as mulheres alcançaram a paridade no local de trabalho com os homens (Padavic et al., 2020). 

Podemos começar considerando a importância de incentivar/fortalecer e preparar grupos de mulheres como forma de trazer para a unidade produtiva o reconhecimento, respeito e a valorização adequada (Said e Moreira, 2015).

*Foto: Flávia Mafra, 2021.

Sobre a autora:

Larissa Oliveira Duarte – designer de moda e pesquisadora, mestre em Negócios Internacionais (Leeds Beckett University) e mestre em Têxtil e Moda (Universidade de São Paulo). Se dedica a pesquisa na área das fibras vegetais, design e artesanato agrofloresta e ecossistema de inovação. Co-fundadora das startups Jurema e Confio.eco.

Jurema – startup brasileira que trabalha com agrofloresta focada na produção de materiais têxteis, como fibras e tinturas vegetais. Atua em três frentes: educação, consultoria e pesquisa e desenvolvimento.

 

Referências 

Said, M. A. Moreira, S. L. D. S. (2015). Mulheres e Agroecologia: Multiplicadoras Agroecológicas transformando o semiárido-Artigo. IICA, Brasília, DF (Brasil).

Padavic, I., Ely, R. J., & Reid, E. M. (2020). Explaining the persistence of gender inequality: The work–family narrative as a social defense against the 24/7 work culture. Administrative Science Quarterly65(1), 61-111.

Vennila, S., & Ramesh, K. (2019). Women’s Labour and Sustainable Agriculture. Indian Journal of Gender Studies26(3), 385-397.

Daigle, K., & Heiss, S. (2020). Supporting Agricultural Resilience. Journal of Agriculture, Food Systems, and Community Development9(4), 1-19.

Brumer, A. (2008). Gender relations in family-farm agriculture and rural-urban migration in Brazil. Latin American Perspectives35(6), 11-28.

Hirata, A. R., Rocha, L. C. D., Assis, T. R. D. P., Souza-Esquerdo, V. F. D., & Bergamasco, S. M. P. P. (2019). The Contribution of the Participatory Guarantee System in the Revival of Agroecological Principles in Southern Minas Gerais, Brazil. Sustainability11(17), 4675.