O Desejo dos Gêneros
pelo nosso colunista, Rafael Silvério*
A verdade é que vivemos em domínio do desconhecido, e que sempre foi assim, no meio dessa revolução silenciosa o que nos envergonhamos se torna a nossa única forma de manobrar antes que tenhamos que nos chocar com muro cada vez iminente na estrada que estamos tomando.
Os ambientes de trabalho corporativos sempre foram lugares que reproduziram uma conduta racionalista que via os trabalhadores como números a partir de análises de desempenho que anularam qualquer manifestação de subjetividade.
As expressões do desejo de gêneros ficaram ocultas e a mercê de clandestinidade, por boa parte do século XX e mesmo com a virada do século isso não se desmantelou completamente. As expressões vistas pela sociedade tradicional como não normativas ainda são as desculpas dadas para que os preconceituosos reiterem suas opressões dentro de ambientes de trabalho de toda natureza, e na moda, isso se perpetua.
Meus olhos vermelhos testemunharam essas manifestações se darem das formas mais distintas, sempre controladas pela intenção do ator. Embalada em uma piadinha besta, e singela que constrange o funcionário diante de outros tantos, isso quando o próprio cliente não faz parte da ação, sendo como testemunha anônima, e mais um vetor ativo para proporcionar uma atmosfera opressora. Até realmente arremesso de objetos contra as vítimas, acompanhados de perversão e prazer em diminuir o outro por alguma característica individual ou expressão de sexualidade.
Diante uma nova geração de consumidores que não se incomodam tanto com a sexualidade alheia e o advento das redes sociais fez com que a moda se inclinasse para tal discurso na esperança de continuar relevante, cobrando seu preço aqueles que possam ser vistos como interessante para tal, as questões antes eram negociadas, hoje se tornam alvo dos mais tradicionalistas mais inteligentes que disputam pelo “Pink Money”.
As reais intenções das empresas nem sempre podemos realmente perceber ou medir, mas o que podemos julgar é mesmo as atitudes, que muitas vezes não passam de ativações de marcas sem muita profundidade e apenas a vestimenta do logo, na frente da bandeira do arco íris.
Em uma passagem do trecho do documentário “Nina: A Historical Perspective”, de Peter Rodis (1970) Miss Simone explana sobre o que é para ela Liberdade:
“É um sentimento. Liberdade é apenas um sentimento. É como tentar explicar para alguém como é estar apaixonado. Como você vai explicar isso para alguém que nunca sentiu? Você não consegue. Mas você sabe quando acontece. Houve algumas vezes no palco em que eu realmente me senti livre. E isso é uma coisa incrível. É realmente incrível. Eu te digo o que liberdade significa para mim: nenhum medo! Realmente nenhum medo. Se eu pudesse ter isso por metade da minha vida… É algo que realmente se sente. Como um novo jeito de enxergar”
É por dias assim que esperamos, no qual todas as expressões sejam respeitadas, ou minimamente toleradas, nem que seja por meio de uma repressão legal e que recrimine com eficiência qualquer tipo de comportamento que iniba os Direitos Humanos que deveria se abranger a todos. Quando a maneira de se vestir, se comportar, expressar e amar, não sejam normalizada e não moldem personalidades amplas dentro de um espaço limitador, como o desenvolvimento de carpas, que limitam seus tamanhos físicos ao ambiente que estão expostas, quanto maior é o ambiente mais comprimento esse peixes são capazes.
Revolução através do afeto é algo difícil, esse altruísmo muitas vezes ingrato de não dar exatamente o que se recebe e que não se equivalesse é o que torna o ambiente tão predatório para os que nunca se viram nesse ambiente, enquanto contamos com o tempo dos privilegiados que se dizem se desconstruir, empilhamos corpos, e estilhaçaram mentes que que são insumos para o corporativo onipresente, e onisciente.
*Foto: THE LESSON OF THE FALLING LEAVES, 2017, 54 X 43 INCHES, Oil on Canvas Amy Sherald
Sobre o autor:
Rafael Silvério – Designer preto de moda e consultor de branding. Formado pela Faculdade Santa Marcelina em Desenho de Moda (2013). Pós graduação na UNIP em Negócios Internacionais e Comércio Exterior (2016). Designer participante da Casa de Criadores (2019) com sua marca @silveriobrand. Propõe pela moda uma maneira de reconhecer seus sentimentos, questionando a noção de belo. Através de volumes inventivos e silhuetas lúdicas por um olhar romântico. Trabalha como consultor de branding para marcas e negócios relacionados à criatividade. Leia outros textos de Rafael Silvério no Blog Fashion Revolution.