O clima está na moda. Dia Nacional da Conscientização das Mudanças Climáticas.
Vivenciamos casos extremos e altamente nocivos. Foto: Douglas Fonseca
Estima-se que, no último ano, as sufocantes ondas de calor que tomaram conta de países europeus podem ter sido responsáveis pela morte de, pelo menos, 15 mil pessoas. Só na França, foram notificadas mais de 2.500 vítimas decorrentes dos efeitos das altas temperaturas. Outros locais como Reino Unido, Alemanha, Portugal e Espanha, também vivenciaram cenários de horror com a seca, a baixa umidade do ar e incêndios devastando territórios inteiros.
Outros locais, menos midiáticos, também sofrem os efeitos desse colapso. Angola vive a seca e severos períodos de estiagem que causam perda de colheita, de animais e desnutrição à população. Em 2019, o ciclone Idai vitimou mais de 500 pessoas em Moçambique, Malawi e Zimbábue. A contabilidade se estende por diversos outros países subdesenvolvidos que sentem de perto os reflexos dessa evolução.
Há pouco, o Brasil também voltou a fazer parte desse mapa de desastres naturais desencadeados pelas alterações climáticas. No último dia 18 de março, o litoral norte de São Paulo foi atingido por um dos piores temporais dos últimos tempos. A região de São Sebastião foi uma das mais afetadas, recebendo cerca de 640 mm de chuva em apenas 24 horas, e se deparando com inundações e deslizamentos por toda a cidade. Até o momento, o número de vítimas já passa de 60 e ainda existem diversas pessoas desaparecidas. O município também estima que outras centenas estejam desalojadas e sem qualquer expectativa de ter para onde ir. O caso, que não é isolado, relembra tragédias como a de Petrópolis no Rio de Janeiro ou no sul e extremo sul da Bahia.
A previsão dessa estação é de temperaturas elevadas.
Os últimos oito anos foram os mais quentes registrados na história do planeta. Segundo a Organização Meteorológica Mundial [OMM], autoridade climática da Organização das Nações Unidas [ONU], o período entre 2015 e 2023 foi responsável por temperaturas elevadas e alarmantes.
Em 2022, a média global chegou a 1,15ºC acima dos níveis pré-industriais, presentes em 1880. Fator preocupante devido à sua decorrência. Ainda de acordo com a ONU, é a oitava vez consecutiva que as temperaturas globais superam ao menos 1ºC. Os anos de 2016, 2019 e 2020 lideram esse ranking. Só para termos uma ideia, quase 400 temperaturas recordes foram registradas no Hemisfério Norte durante o verão de 2019.
Outro exemplo que elucida de forma ainda mais prática esse avanço nada positivo, é o registro realizado durante os 10 primeiros meses de 2018, onde a média ficou acima de 0,98ºC, e foi maior do que os níveis captados entre os anos de 1850 e 1900. De acordo
com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas [IPCC], se continuarmos nessa mesma intensidade e pouca ação realmente efetiva, as temperaturas poderão subir entre 3ºC e 5ºC até 2100. Sob uma lente ainda menos otimista, Pascal Peduzzi, diretor da
GRID-Genebra, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente [PNUMA] alerta que no ritmo que estamos, podemos atingir +1,5°C já nos próximos 15 anos.
Mas afinal, o que é aquecimento global?
Vamos a um breve resumo:
Parte do baixo engajamento com o assunto, pode estar atrelado à desinformação, à falta de reconhecimento e acesso a como essas questões acontecem. Por isso, vamos destacar alguns tópicos de forma mais resumida e que podem nos auxiliar nessa jornada:
Efeito estufa e o aquecimento global:
O efeito estufa é um fenômeno natural, causado pela combinação de uma série de gases que retém boa parte do calor que é irradiado pela Terra, tornando-a mais quente e possibilitando a vida no planeta. Essa combinação é composta, principalmente, por: gás carbônico [CO2], metano [CH4], e óxido nitroso [N2O]. Sem esse acontecimento, o planeta se tornaria muito frio e não suportaria a sobrevivência de diversas espécies.
O problema é que, ao longo dos anos e das nocivas atividades humanas – provocadas pela expansão e pela acumulação a qualquer preço -, o nível de concentração desses gases na atmosfera vem aumentando gradativamente, elevando assim, a temperatura do planeta e desencadeando o aquecimento global, responsável por uma uma série de descompassos e episódios climáticos. Práticas como: a queima de combustíveis fósseis [seja na indústria ou no uso de transportes], o desmatamento [seja para cultivo de alimento para gado ou para o manejo de matéria-prima produtiva], a exploração de habitats inteiros e de tudo que é vivo na Terra, só fazem desorientar a ordem natural e colapsar o mundo como conhecemos.
Com isso, estamos cada vez mais expostos a eventos naturais extremos que desafiam a nossa capacidade de sobrevivência.
Uma tendência já ultrapassada.
Um estilo de vida que não cabe mais.
Delimitados a um sistema linear, já bastante “démodé”, seguimos em ritmo frenético, condicionado à exploração de recursos naturais e humanos, alta produtividade, consumo exacerbado, costurado à obsolência das coisas e descarte de tudo que temos como simples commodities. Sem tempo, pulsão criativa ou qualquer entrega de valor que se faça presente. Materializando um modelo socioeconômico fadado ao fracasso e que nos empurra, dia a dia, ao abismo.
Segundo dados apresentados pelo Centro Comum de Pesquisa da Comissão Europeia e da Agência Holandesa de Avaliação Ambiental [PBL], as maiores taxas de liberação de gases de efeito estufa – como dióxido de carbono [CO2], propulsores do aquecimento global, estão concentradas entre economias principais como: China, Estados Unidos, União Européia, Índia, Rússia, entre outras áreas que alocam grandes complexos produtivos e operações condicionadas à queima de combustíveis fósseis.
Quando ajustamos nossa lente à indústria da moda, uma das principais representações desse modelo de negócio e responsável pela emissão de, pelo menos, 4% do dióxido de
gás carbônico, encontramos uma lógica pouco funcional. Seguida pelo uso demasiado de matérias-primas sintéticas oriundas do petróleo – cerca de 50% das peças produzidas globalmente são feitas em poliéster, alternadas pelas tais fibras artificiais, como a viscose – que pode estar atrelada aos índices de desmatamento ou algodão – interligado ao cultivo pouco sustentável, coleções a perder de vista e completamente desconectadas de relações políticas e sociais, elaboradas de maneira pouco estratégica, descoladas de reais necessidades cotidianas e sugestionadas exclusivamente para atender os novos anseios de plataformas digitais e o ticket médio de grandes [e poderosas] corporações.
Também é interessante destacar que, assim como demais formatos mercadológicos, como o da alimentação, a moda vem subordinando territórios empobrecidos em detrimento de sua alta performance, se apropriando de uma mão de obra cada vez mais marginalizada e sucateada. Capital humano que se encontra vulnerável e “à mercê” dos mesmos eventos climáticos citados acima.
Mas então, o que fazer?
Diante de tantas problemáticas, dados, números e informações que parecem pouco acessíveis para a maior parte da população, aliados ao um efeito dopaminérgico elaborado para nos manter distantes de tais conclusões, a inércia passou a tomar conta de nossas vidas e abriu espaço para uma certo sentimento de costume ou impotência.
Apesar de diversas iniciativas terem sido elaboradas ao longo dos últimos anos, como: Protocolo de Kyoto, Acordo de Paris, Agenda 2023, Green New Deal, entre outros, o que percebemos diante dessa questão é que, infelizmente, pouco conseguimos avançar rumo ao que seria essencial para frear os efeitos danosos desse contexto. Nos restando, apenas, uma boa dose de resiliência e maneiras alternativas que nos possibilitem garantir uma estadia menos sofrida na Terra.
O professor de economia Eduardo Sá Barreto, que debate os temas: crise ambiental, crítica da economia política, história do pensamento econômico e filosofia da ciência, nos provoca uma reflexão importante e que nos orienta quanto ao estágio em que nos encontramos. Segundo Eduardo, “começamos essa conversa sobre aquecimento global buscando mitigação de impactos e, hoje, depois de algum tempo convivendo com o que está posto, falamos abertamente sobre adaptação”.
A boa notícia [mesmo diante do caos] é que muita gente já está se mobilizando para que isso aconteça. São diversos os movimentos, instituições e iniciativas que operam rumo à uma jornada mais propositiva. E cada um de nós pode ser parte dessas atividades. Compreendendo que cada ação individual pode gerar impacto coletivo, podendo ser o início de uma transformação social mais relevante e articulada em prol de uma revolução sistêmica.
No Dia Nacional da Conscientização das Mudanças Climáticas – reconhecido oficialmente por meio da lei nº12.533/2011, em 2011 – te convidamos à implementar novos hábitos e ser parte dessa mudança.
Ações práticas, e até mesmo simples ou cotidianas pra muita gente da vida real, como:
-Disseminar informações seguras e verificadas: possibilitando que mais pessoas saibam e entendam o que está acontecendo e o que podem fazer para ajudar;
-Questionar marcas, empresas e instituições: provocando que as mesmas disponibilizem informações verdadeiras e alternativas às lógicas de produção já estabelecidas;
-Compreender a nossa participação política: através de busca e pesquisa por quem está comprometido com essa pauta e que, de fato, merece o nosso voto e apoio;
-Buscar por meio de transportes alternativos e coletivos: algo que já feito por grande parte da população e que pode ser implementado por quem tem seus privilégios garantidos e pode optar por maneiras mais inteligentes;
-Controlar nosso gasto de energia: fazendo uso de maneira mais consciente e responsável, além de – se possível, buscar por meios alternativos de energia renovável;
-Adaptar a nossa alimentação: num país onde quase metade da população vive em insegurança alimentar, é essencial que, além da luta constante por menos desigualdades, também possamos preferenciar dietas menos nocivas ao meio ambiente, produtos de origem fidedigna e controle ao descarte desenfreado de alimentos em boas condições de consumo;
-Preferenciar produtos locais e de pequenos produtores: apoiando o comércio regional – garantindo maior geração de renda, e mitigando impactos de deslocamento e distribuição;
-Preferenciar produtos de segunda-mão: sejam roupas, calçados, acessórios e, até mesmo móveis, eletrônicos e tantos outros itens que são comumentemente descartados ainda em boas condições de uso;
Além dessas atividades, o PNUMA lançou recentemente o Act Now: Speak Up, uma campanha que mostra como os cidadãos podem garantir que governos e empresas se comprometam a assumir suas responsabilidades e agir em torno de tais resoluções. Você pode acessar o site oficial e saber mais.
Em todas as frentes do movimento Fashion Revolution, você também pode encontrar outras provocações e iniciativas para fazer parte.
Imagem: Markus Spiske para Pexels
Escrito por Julia Codogno
Revisado por André Teixeira
Julia Codogno é comunicadora de moda e sustentabilidade. Desenvolve seu trabalho por meio de mentorias, palestras e conteúdos educativos. É criadora de um guia digital que reuniu mais de 200 marcas com iniciativas de impacto positivo e co-criadora do projeto Retecendo. Acompanhe @juliacodogno