No mês das mulheres, a agenda climática é tema de destaque em debates públicos
Na Greve Global Pelo Clima, elas falam de transição energética justa, crise climática, qualidade de vida e como tudo isso engloba a questão de gêneroMulheres de todas as idades se reuniram na cidade interiorana de Caçapava (SP), no último sábado (4/3), para a Greve Global Pelo Clima. A única cidade do estado de São Paulo a receber o evento foi assim escolhida por conta de um tema caro para a saúde de todos: a transição energética justa. Caçapava está cotada para receber uma termelétrica a gás de 1.7 GW, da empresa Natural Energia Participações LTDA, mas ambientalistas e movimentos sociais apontam os malefícios de se apostar em uma fonte energética suja e cara para a região. No evento, as mulheres também reforçaram os danos que o empreendimento trará para a vida delas e para o clima do vale.
Caçapava é uma cidade de 95 mil habitantes, segundo estimativas do IBGE Cidades, e se apaga – tanto em questão de tamanho, quanto de poder econômico – para as cidades vizinhas, São José dos Campos e Taubaté. Mas, justamente por esse contexto, ela pode refletir tantos outros casos de lutas ambientais pelo Brasil: a implementação do empreendimento configura um caso de racismo ambiental. “O projeto já foi barrado em São José dos Campos e agora veio para cá, uma cidade menor e mais empobrecida no contexto do Vale do Paraíba”, explica Mari Souza, co-deputada estadual eleita pela Bancada Feminista do Psol, “por ser um vale, a poluição vai ficar concentrada aqui, não vai se dissipar. É contaminação do ar, solo, da água, em uma área que já vem sofrendo com outros impactos ambientais”.
Presente no evento, a presidenta da Câmara Municipal de Caçapava, Dandara Gissoni, ressalta uma falsa promessa de convencimento da implementação da termelétrica na cidade: a geração de emprego. Para ela, é necessário alertar a população que a gestão de uma termelétrica é feita através de tecnologia. “A maioria dos empregos que a empresa gerar serão empregos de fora, nem as pessoas, nem a construção civil da nossa cidade seriam beneficiadas”, salienta.
Segundo o Plano Nacional de Energia 2030, do Ministério de Minas e Energia, o valor econômico de impactos ambientais de fontes de energia elétrica não é internalizado no custo total de usinas. “Os processos de tomada de decisão consideram os custos e benefícios privados, mas, na maioria das vezes, ignoram uma série de custos e benefícios adicionais, conhecidos como externalidades, com os quais a sociedade arca”, afirma o texto, “um exemplo gritante de externalidade está nos danos causados pela poluição”.
A termelétrica é classificada como a maior em potencial do país, com previsão de ser instalada em uma área de 15 mil hectares e queimar cerca de 6 milhões de m³ de gás por dia. Além disso, irá consumir – também diariamente – mais de 2.400 m³ de água. Essa movimentação segue tendência nacional do avanço da energia fóssil no Brasil: segundo levantamento do Instituto Internacional Arayara, estão previstas cerca de 74 novas térmicas a gás, 19 novos terminais de GNL de gás natural liquefeito, 2040 novos blocos de petróleo e gás em oferta permanente e 9.286 km de gasodutos, uma distância que cobre do Rio de Janeiro à Paris.
Um estudo publicado em 2021 relaciona a poluição do ar com a incidência de mortes prematuras, doenças pulmonares, cardiovasculares, acidentes vasculares cerebrais, disposição ao câncer e ao diabetes. Entre os mais prejudicados estão crianças, idosos, gestantes e bebês ainda no útero. “Numerosos estudos mostram associações significativas entre a exposição ao ar poluído e efeitos adversos durante a gestação, especialmente aos poluentes MP, SO2, NOx , O3 e CO. Particularmente o MP2,5 está associado ao baixo peso ao nascer e o ar poluído externo, por si só, está associado ao nascimento prematuro”, enfatiza.
Impactos ambientais para as mulheres
O papel da mulher frente à luta contra a crise climática e pela transição energética justa também foi posta na Greve Global Pelo Clima. “Nós mulheres somos a maioria tanto de população quanto de eleitoras, né? Porém, somos a minoria dentro dos espaços de poder”, aponta Dandara, “são mulheres que estão por trás das discussões pelo clima, seja mulheres políticas, sejam ambientalistas, sejam cientistas – que o último governo, infelizmente, tirou muito recursos para investimentos nelas”.
A Greve Global Pelo Clima vem de encontro com um momento ímpar na região: recentemente, cidades próximas como São Sebastião e São José dos Campos sofreram com as chuvas intensas, resultando em deslizamentos, enchentes, perdas materiais e de vidas. Dados recentes do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) destacam que sete a cada dez brasileiros moram em cidades sob riscos de desastres climáticos. Ao todo são 2.120 cidades brasileiras, poucas com políticas para minimizar o impacto de eventos climáticos extremos.
Para Jéssica Marques, professora de história, os eventos trazem o debate da crise climática à tona. “Embora exista essa tentativa de culpabilizar a natureza como responsável como algo que é natural, é um problema mais amplo, que é a crise climática, e também um problema das grandes cidades e a falta de planejamento urbano”, afirma. Jéssica também relata que recebeu vídeos de vários colegas professores, mostrando a invasão da água nas escolas que trabalham. Segundo o Monitor de Desastres, desde janeiro de 2019, mais de um terço dos municípios brasileiros enfrentam situação de emergência ou calamidade pública por tempestades e enxurradas.
Neste cenário, os mais impactados são a população que vive em situação de risco. “Moradia, bairro irregular são os mais vulneráveis e as mais prejudicadas são as mulheres, sobretudo as mulheres negras”, explica Jéssica, “elas são responsáveis por buscar água, cuidar das suas casas, muitas vivem sendo mães solos”. Dandara ressalta a importância de políticas públicas voltadas a investimento em macrodrenagem e habitação: “é preciso aproveitar os períodos de estiagem para fazer um planejamento de manutenção de áreas de riscos. Com o aumento das chuvas, essas situações (de enxurradas) vão continuar acontecendo e as mulheres, que muitas vezes têm que ficar em casa com os filhos, têm dificuldade para conseguir emprego, são as mais prejudicadas”.
Junto com o setor público, a academia e iniciativa privada devem olhar para o combate à crise climática como manutenção do bem-estar social, ambiental e econômico. “As políticas públicas de prevenção aos desastres ambientais são também políticas de garantia de dignidade de vida para mulheres, para a população negra e para a população mais pobre”, sintetiza Jéssica.