Governança ambiental local e o setor de couro e calçados – quais as implicações?
Este trabalho é de autoria de Sandra Maria Araújo de Souza, Débora Karyne da Silva Abrantes, Ana Quezia Santos de Oliveira e Nayara dos Santos Silva, da Universidade Estadual da Paraíba e faz parte do Fórum Fashion Revolution 2020. As inscrições para o Fórum Fashion Revolution 2020 estão abertas até 5 de julho: não perca.
1.Introdução:
Em relação às questões ambientais, a governança trata-se de entender como os diversos segmentos da sociedade interagem para negociar os seus interesses múltiplos (e geralmente conflitantes) na tomada de decisão sobre o acesso, o uso e o manejo de recursos naturais (CASTRO e FUTEMMA, 2015). Entre as principais atividades que dividem as responsabilidades de utilização de recursos naturais e impactos no meio ambiente, a do setor couro calçadista se notabiliza como encarregada por uma parte significativa. Isto se deve ao fato de que, ao longo de sua cadeia produtiva, o consumo de recursos é intenso, bem como os impactos ambientais produzidos. O setor de couro e calçados impacta diretamente o ambiente, devido a características próprias à atividade, como o uso exacerbado dos recursos hídricos e substâncias químicas como o sulfato de cromo, e, ainda, a quantidade de rejeitos produzida. Diante do exposto, o presente estudo tem por objetivo analisar as implicações da governança ambiental local para o Arranjo Produtivo Local 1 de couro e calçados, no município de Campina Grande – PB. Desse modo, o problema central deste estudo foi: Quais as implicações da governança ambiental local para o Arranjo Produtivo Local de couro e calçados do município de Campina Grande – PB? Adotou-se, ademais, como fundamento a discussão sobre os Arranjos Produtivos Locais e Governança ambiental em Arranjos Produtivos Locais.
1. Conjunto de agentes econômicos, políticos e sociais localizados no mesmo território, desenvolvendo atividades econômicas correlatas e que apresentam vínculos expressivos de produção, interação, cooperação e aprendizagem (REDESIST, 2004).
2.Procedimentos metodológicos Visando à análise das implicações da governança ambiental local para o Arranjo Produtivo Local de couro e calçados no município de Campina Grande – PB, foi realizada uma pesquisa descritiva de caráter exploratório com abordagem qualitativa, conduzida sob a forma de estudo de caso. Os dados primários foram levantados via aplicação de entrevistas semiestruturadas junto aos atores sociais do APL. A isto soma-se a observação não participante, complementada pelo auxílio do diário de campo. Os dados secundários foram levantados a partir da revisão da literatura existente, relatórios e documentos relacionados à governança ambiental municipal, aos arranjos produtivos locais e ao setor de couro e calçados. Para a análise dos dados obtidos foi utilizada a técnica de análise de conteúdo sob a forma de abordagem qualitativa.
3. Resultados e discussões
3.1 Caracterização do arranjo produtivo local de couro e calçados O APL de couro e calçados, localizado em Campina Grande-PB, teve início no ano de 1923 com a criação de curtumes. Inicialmente, sua produção concentrava-se na confecção de selas, arreios e artigos para montarias. Atualmente, o APL em questão é constituído predominantemente por empresas de pequeno porte, sendo formado por cerca de 86 empresas formais, das quais 74 são microempresas, 11 são pequenas empresas e 2 de grande e médio porte. As empresas possuem, em média, de 20 a 60 funcionários e têm uma capacidade de produção que varia entre 300 e 1.500 dúzias de pares/mês. Essas empresas atuam em vários segmentos do mercado e possuem uma produção diversificada: Curtimento e preparação de couro, calçados e artefatos de couro, calçados de materiais sintéticos e Equipamentos de Proteção Individuais de couro.
3.2 Governança ambiental no município de campina grande
Campina Grande possui um aparato legal e institucional amplo e abrangente que envolve uma série de normas e regras a fim de proteger, conservar e preservar o meio ambiente. O município dispõe de um Código de Defesa do Meio Ambiente que descreve os princípios, objetivos e instrumentos para execução da política do meio ambiente no município; além disso, estabelece o Sistema Municipal do Meio Ambiente (SISMUMA), envolvendo o poder público e as comunidades locais. O SISMUMA é constituído pela Secretaria do Meio Ambiente – SESUMA (Órgão executivo); Coordenadoria do Meio Ambiente (Órgão auxiliar na execução das políticas de Meio Ambiente); Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Órgão Consultivo e deliberativo); e outras secretarias afins do município, como a Superintendência do Meio Ambiente (SUDEMA).
Além do Código de Defesa do Meio Ambiente, Campina Grande dispõe dos seguintes instrumentos reguladores: A Lei Orgânica do Município, em destaque o Capítulo II do Título IV, que assegura o direito à qualidade de vida e a proteção do meio ambiente; a Lei nº. 3.236/96, que institui o Plano Diretor do Município constituindo os objetivos e diretrizes da política ambiental municipal; a Lei 4.327/05, que regulamenta o Fundo Municipal de Meio Ambiente; a Lei nº. 4.129/03, que trata do Código de Posturas do Município; a Lei 4.720/08, que define o desperdício de água e as penalidades a serem aplicadas aos infratores; a Lei nº. 4.687/08, que versa sobre o lixo eletrônico e determina a responsabilidade das empresas na destinação final ambientalmente adequada do que produzem ou comercializam; e o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS). O Conselho Municipal do Meio Ambiente (COMDEMA) é um órgão consultivo e deliberativo de participação popular e tem como objetivo normatizar, formular, controlar, e fiscalizar a atuação municipal na proteção do meio ambiente. O conselho é formado por representantes do poder público Municipal e representantes da sociedade civil. Atua, ainda, em articulação com a SESUMA, órgãos municipais e instituições federais e diversos segmentos da sociedade civil. Para viabilizar as ações, o município possui o Fundo Municipal do Meio Ambiente (FMMA), que capta recursos de diversas fontes, desde a arrecadação de taxas e multas até repasses da União, Estados e Município. Sua administração é feita pela SESUMA sob a aprovação e fiscalização do COMDEMA. As informações referentes às receitas e as despesas são dispostas no portal eletrônico do município, permitindo que a população tenha acesso a elas.
3.2.1 Governança ambiental e o setor de couro e calçados
O setor couro-calçadista destaca-se pela excessiva carga poluidora gerada em seu processo produtivo. O setor apresenta um grande potencial de geração de impacto ambiental em todas as etapas da produção, desde o tratamento do couro até a disposição final dos resíduos. O primeiro estágio de processamento do couro, o curtimento de wet-blue, gera uma grande quantidade de dejetos tóxicos e, além disso, utiliza um grande volume de água. De acordo com Souza et al (2013), este estágio apresenta o maior nível de impacto ambiental e risco de contaminação devido à utilização do sulfato de cromo. Em torno de 90% das empresas que realizam o processamento do couro utilizam sais de cromo, que é classificado pela NBR- -I0004 da ABNT como resíduo de classe 01, assim como os resíduos de outras etapas do processamento, tais como: aparas, pó de couro e serragem (VIANA E ROCHA, 2006).
O impacto causado pelo setor de couro e calçados tem despertado interesse de sua cadeia produtiva, dos órgãos governamentais, das instituições de pesquisa e da sociedade em geral com intuito de torná-lo menos degradante. Esse desafio demanda uma ação coordenada não apenas do Estado, mas de toda a coletividade, no sentido de direcionar os esforços da sociedade rumo à sustentabilidade ambiental. De acordo com a representante da Chefia de Coordenação Ambiental, para que as empresas do setor possam iniciar suas atividades produtivas é necessário portar a Licença Ambiental; para isso as organizações devem possuir a certidão de uso e ocupação do solo, a certidão de instalação, a certidão de operação e, por fim, o plano de gerenciamento de resíduos sólidos e de efluentes.
No que tange à fiscalização, percebe-se que há uma deficiência, especialmente no acompanhamento do cumprimento das medidas condicionantes ou mitigadoras estabelecidas, tendo em vista que isso só ocorre por meio de denúncia. Ainda de acordo com a representante da Chefia de Fiscalização, há relatos de que algumas denúncias ocorrem por parte de empresas concorrentes, aspirando a alguma vantagem competitiva. Dessa forma, observa-se uma fragilidade dos instrumentos ambientais no que se refere à diminuição dos impactos causados pelo processo produtivo, tendo em vista que a atuação da política ambiental no setor tem se resumido ao licenciamento ambiental e à fiscalização. Percebe-se também a ausência de articulação entre os órgãos ambientais situados no município. No tocante às medidas mitigadoras de impactos ambientais, cabe destacar a atuação do CTCC que, segundo os gestores, colabora enquanto agente de influência para conscientização dos colaboradores das empresas acerca do impacto da produção couro-calçadista no meio ambiente. Isto ocorre através da aplicação de um módulo básico na disciplina de meio ambiente. O centro conta, ainda, com uma unidade de Computer Aided Design – Computer Aided Manufacturing que tem atendido as empresas que desejam melhorar o design de seus produtos. Além disso, sua estrutura possui o Setor Ambiental (laboratorial) com o intuito de desenvolver pesquisas e tecnologias para redução dos impactos ambientais causados pelas indústrias do setor. Atualmente, com a finalidade de não se responsabilizar pelos rejeitos químicos gerados pelo processo de produção do couro no solo e pelos impactos degradantes desses ao meio ambiente, o Centro em parceria com as empresas do setor se abstêm do processo do curtume molhado, o qual é o maior gerador de rejeitos, praticando apenas atividades de acabamento do couro.
O sindicato da categoria, o SINDICALÇADOS, exerce grande influência no setor. De acordo com seu representante, a instituição promove workshops, palestras e eventos para as empresas do ramo, com o intuito de conscientizar os associados acerca dos impactos ambientais causados pela atividade. Ainda de acordo com o seu representante, o sindicato possui parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que fornece incentivos financeiros para as empresas que possuem em seu processo produtivo atividades de maior impacto ambiental, a fim de reduzi-los. Diante do exposto, percebe-se que a governança ambiental no Arranjo de Couro e Calçados em questão caracteriza-se pela atuação de diferentes atores sociais, os quais, a partir dos recursos dispostos, buscam implementar ações efetivas para a mitigação dos impactos ambientais e melhoria da qualidade ambiental.
Considerações finais:
O objetivo deste trabalho foi analisar as implicações da governança ambiental local para o APL de couro e calçados no município de Campina Grande – PB. Cabe ressaltar que a base teórica sobre governança é bastante extensa, não sendo possível neste artigo resgatá-la em sua integridade, portanto trata-se de um estudo de caso que abre a possibilidade de novas análises baseadas em outras referências. Fica evidente, portanto, a relevância do APL para a economia local, como também os seus impactos ambientais que se instalam amplamente em toda a região. O Município de Campina Grande possui uma estrutura de governança ambiental composta por diversas instituições e atores sociais, bem como um arcabouço legal abrangente; no entanto, as ações são realizadas de forma desarticulada. Outro problema diz respeito à falta de fiscalização, que faz com que muitas empresas não sejam punidas pela exploração desmesurada dos recursos naturais.
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Referências
CASTRO, Fábio de; FUTEMMA, Célia. (orgs). Governança ambiental no Brasil – entre o socioambientalismo e a economia verde. Jundiaí, Paco Editorial: 2015.
FURLANETO, E.; SILVA, R. APL de calçados de Campina Grande: análise das relações entre seus agentes. In: Seminário de Gestion Tecnologica – ALTEC, 2005, Salvador, 25 a 28 de outubro de 2005. Anais. XI Seminário de Gestion Tecnologica.
MOURA, A. S; BEZERRA, M. C. Governança e sustentabilidade das políticas públicas no Brasil. Governança ambiental no Brasil: instituições, atores e políticas públicas – Brasília: Ipea, p. 91-110, 2016. REDESIST. Políticas para promoção de arranjos produtivos e inovativos locais de micro e pequenas empresas: vantagens e restrições do conceito e equívocos usuais. Rio de Janeiro: Redesist/UFRJ, 2004. SOUZA, EG., et al. Impactos ambientais no setor coureiro-calçadista em Campina Grande – PB: uma análise quanto à utilização do cromo no processo produtivo. In: LIRA, WS., and CÂNDIDO, GA., orgs. Gestão sustentável dos recursos naturais: uma abordagem participativa. Campina Grande: EDUEPB, 2013. VIANA, F. L. ROCHA, Roberto E. V. A indústria de calçados no Nordeste: características, desafios e oportunidades. Fortaleza: BNB, 2006. VILLELA, M. Transnational governance in the conservation of the brazilian amazon forest. Master dissertation in Social Science Research Methods, CARBS. Cardiff, Wale, 2013.