FELIZ (?) DIA DA ÁRVORE
*por Rafael SilvérioEu sempre odiei ter nascido nessa data. Quantos aniversários passei com amigos me dizendo: “Feliz dia da Árvore”, ao invés do clássico “Parabéns”.
Por muito tempo foi um incômodo inegável, mas, com a maturidade se tornando mais ativa, fui entendendo a beleza de nascer neste dia, que é comemorado no Brasil em 21 de setembro e tem como objetivo principal a conscientização a respeito da preservação desse bem tão valioso. A data, que é diferente em outras partes do mundo, foi escolhida em razão do início da primavera, que começa no dia 23 de setembro no hemisfério Sul.
Existe uma magia da colisão de vários ativos trabalhando em prol da prosperidade de uma semente. Essa premissa acontece em mitologias indígenas e africanas, que justificam essa animação de todo ser vivo que floresce dentro de um processo que valoriza o coletivo.
Na cosmovisão do povo Dagara (aldeia de um povo oriundo da África Ocidental, que, dentro de sua sabedoria e cultura, classifica seu povo dentro da seguinte composição: fogo, água, minerais, terra e natureza), o vento vai carregar essa semente até o solo, que já foi preparado pela chuva e está pronto para ser aquecido pelo sol no processo de incubação, fincando raízes e fazendo um esforço descomunal para nascer – seu desenvolvimento, assim como o dos humanos, depende do ambiente, às vezes se estabelece em lugar propício, às vezes não.
Assim como tudo que a natureza transforma e gera, o processo de transformação de qualquer muda em uma árvore é lento. Sua perpetuidade é resultado de “aleatoriedade” somada a situações que colocarão em xeque não apenas sua habilidade de adaptabilidade, mas, também, resistência em ambiente hostil (leve em consideração a crescente do desmatamento em solo nacional e a despreocupação com que o nosso (des)governo encara a situação). Então, ela se enraiza onde pode e, em busca de nutrientes para sustentar suas necessidades, muitas irão padecer por falta desses acessos dos mínimos recursos – reconhecer que além do esforço, existem os privilégios em ter oportunidades que não são para todos.
As semelhanças entre humanos e árvores vão além da necessidade de solo fértil. Assim como os humanos, as árvores também têm o tempo de regenerar suas feridas. Nem todas conseguem ser superadas, há muitas que deixam cicatrizes profundas e outras que terão que ser validadas para o resto de sua jornada – talvez esse seja o fato que mais me aproxima da inteligência que nos atravessa como seres vivos, o que temos em comum. Esse exercício de empatia vivida é um método que transforma fragilidades e potências de vulnerabilidade.
Nos últimos tempos, temos falado muito sobre o papel da Moda, não apenas de diminuir seus impactos, mas de ser responsável por regenerar espaços lesados pela sua atuação. Esta cultura regenerativa solicita que pensemos, antes de participar dela, sobre as condições e organizações sociais. Atualmente, o meio em que vivemos é regido por convenções que se demonstram problemáticas e precisam ser repensadas.
Sistemas patriarcais, industrializados, separatistas e excludentes dominam o pensamento e, dessa forma, as atitudes. Há uma tentativa de mecanizar relações, sentimentos, ambientes e, inclusive, pessoas. Todos os sistemas vivos, nós inclusive, pedem o entendimento do estar presente e de um processo de construção pautado na autoconsciência e no lugar em que estamos inseridos. Ações individuais e focadas em microambientes podem levar certo período para se tornarem hábitos e constituírem grandes transformações.
Por mais ansioso que eu seja e fique lidando com a tentativa falida de acompanhar tudo, aprendi que foi e é preciso ser senhor do seu próprio tempo, mas, também saber se deixar levar, porque nem tudo é sobre nós.Neste dia, em que eu completo um ano a mais nessa existência, compartilho um pouco do que eu aprendi tendo que refletir todos os aniversários um pouco sobre outros seres – talvez, se olhar de perto, verá mais similaridade do que divergência.
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Rafael Silvério
Formado pela Faculdade Santa Marcelina em Desenho de Moda (2013) e pós-graduado pela UNIP em Negócios Internacionais e Comércio Exterior (2016)