Entenda 5 formas que a mídia fortalece o agronegócio brasileiro
Formas de controle social e cultural vão além da propaganda do “Agro é Pop” e são nocivas a saúde de todes
Por: Juliana Aguilera
Em “Terra e Paixão”, o agronegócio é plano de fundo para uma trama de romance e conflitos, seguindo uma receita simples: do “vilão poderoso” (latifundiário) e da “mocinha humilde” (agricultora familiar). Entre um comercial e outro, a emissora passa a famosa propaganda do “Agro é Pop”, fortalecendo uma rede sofisticada de mecanismos de controle social e cultural, que atravessa gerações e representam a hegemonia do poder do agronegócio – uma ameaça para o meio ambiente e para a sociedade.
A trama das 21h já chegou consagrada pelo público, graças ao time de atores e por carregar o nome de Walcyr Carrasco – vencedor de um Emmy Internacional – mas tudo que consegui pensar ao ver as chamadas foi o livro “Agronegócio e Indústria Cultural”, da pesquisadora Ana Manuela Chã. O livro apresenta um compilado histórico de como o setor do agronegócio constrói, reforça e expande seu poder no campo simbólico do Brasil. São diversas ações, para além da propaganda televisiva – que, aliás, tem mostrado rostos para fingir que há mais gente do que máquina nas monoculturas de soja, milho e derivados.
A questão subjetiva e imagética, alçada em um saudosismo do Brasil bucólico, pré-modernização, é fonte explorada em músicas, novelas, comerciais, projetos educacionais, eventos de shows, rodeios, feiras culturais – e muito mais. Essa movimentação é promovida pela mídia e governo brasileiro desde a Revolução Verde, na década de 60, quando os agrotóxicos facilitaram a produção em massa no campo, tornando comida em produtos de exportação (commodities) e mudando para sempre o formato de agricultura, agora não mais familiar, mas intensiva.
Hoje, o Brasil é o país que mais utiliza agrotóxicos no mundo, um dos maiores exportadores de grãos e possui mais de 33 milhões de brasileiros em condição de insegurança alimentar grave. É também um dos mais atingidos pela destruição ambiental causada por essas atividades. Em tempos de crise climática e econômica, trazemos cinco pontos para entender como a mídia fortalece o agronegócio brasileiro e por quê eles se relacionam com os índices de desigualdade no país.
- A mídia faz parte do modelo agro
Grupos como Estado e Globo fazem parte de associações como a Abag (Associação Brasileira de Agribusiness). Além disso, a Globo e Editora Globo também fazem parte da ABMR&A (Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio). “A mídia hoje em dia não é apenas uma grande reprodutora ideológica desse modelo”, escreve Ana Manuela, “mas ela faz parte orgânica e oficialmente dele”.
Já o Canal Rural, no ar desde 1996, foi comprado em 2013 pela JBS, o maior frigorífico no setor de carne bovina do mundo. O livro Imprensa Rural no Brasil contabiliza 40 programas de rádio, 35 de televisão e 300 publicações de revistas e jornais de agronegócio. Sendo o livro de 2011 e vendo o crescimento anual do setor ano-após-ano, podemos concluir que esse número, hoje, é superior.
- Foco na geração de emprego
O tema do agronegócio é pautado com visibilidade nos telejornais de alcance nacional, tendo como principal foco a macroeconomia. O agronegócio é tratado como sinônimo de sucesso e geração de renda, omitindo as empresas e imagem do latifundiário para exaltar os agricultores e produtores rurais, dando uma falsa sensação de distribuição de renda.
Nessa divulgação, até mesmo a palavra “agronegócio” pode ser omitida – é sempre “a produção de cacau na Bahia”, “produção da laranja no interior de São Paulo”, a “safra do café em Minas Gerais”. Em um exemplo de reportagem em novembro de 2015, Ana Manuela relata como a lógica da publicidade foi costurada na história relatada: “um elemento a destacar na matéria sobre a seringa é seu fechamento com a celebração da transformação do trabalhador em consumidor. A reportagem […] apresenta o trabalho nos seringais como um emprego bem remunerado e termina com a notícia de que, com o salário, o marido da família ‘já conseguiu comprar o tão sonhado carro’.
- O elemento campo
O elemento campo entra como espaço de saudosismo – principalmente na tv – na década de 80, 90, 2000. O Brasil havia passado pelo maior êxodo rural de sua história, dezenas de milhões de brasileiros haviam trocado o campo pela cidade desordenada por conta da industrialização e “modernização”. Com isso, programas como Som Brasil, em 1981, novelas como Pantanal, originalmente exibida pela Rede Manchete, em 1990, e músicas de duplas sertanejas em rádios traziam essa nostalgia, não necessariamente real, por uma vida simples e aconchegante.
O campo, onde antes o trabalho da roça era feito pelas mãos calejadas do(a) agricultor(a), agora era tomado, em grande parte, por grandes empresas monocultoras e seus grandes maquinários. E o público alvo da publicidade era da margarina, da família reunida no campo, era justamente aquele que foi expulso e agora vive em condições precárias nas periferias do centro urbano. O campo é, até hoje, desejado nesse sentido de paz, conexão com a natureza, mas a realidade é que quem ainda permanece ali trava uma batalha com o produtor que arrenda terra para o grande latifundiário e suas sementes tecnológicas.
- Uso de grandes personalidades
Tenho certeza que se eu te pedir para lembrar de Tony Ramos fazendo propaganda da Friboi, você consegue resgatar com facilidade essa lembrança. O uso de grandes personalidades é uma figurinha repetida, mas de muito sucesso. Ana Manuela traz, por exemplo, uma campanha de 2011 da JBS, no qual o gerente de comunicação corporativa da empresa, Alexandre Inácio, detalha o plano:
“[…] Em 2012, fizemos uma segunda rodada da campanha que teve por objetivo começar a colocar na cabeça das pessoas o hábito de pedir carne por marca. […] Em 2013, incluindo o ator Tony Ramos como embaixador da marca Friboi, obtivemos um retorno acima de nossas expectativas e a confirmação de que era possível colocar marca em carne bovina”, descreve. Em 2012, a campanha focou em miniaturas de astros sertanejos, em 2014, foi incluído Roberto Carlos e Fátima Bernardes (para a marca Seara). Em 2014, a JBS teve lucro líquido de R$ 1,1 bilhão no terceiro trimestre do ano. No Global, a receita chegou a R$ 30,78 bilhões.
- Enredos de novelas
A presença do agronegócio nas novelas é descrito por Ana Manuela como “um canal privilegiado para a construção de um imaginário comum na sociedade”. “O Rei do Gado”, “Pantanal”, “A Favorita”, “Velho Chico” e, agora, “Terra e Paixão”. Neste último, vale destacar uma fala de Cauã Reymond: “Todo mundo acha que o agro é assim, não é não! Eu sou diferente […] A gente quer um país melhor, um mundo melhor. Tem coisa mais bonita do que colher soja? Plantar um milho, colher”.
Tem, sim, Caio La Selva (nome do personagem do Cauã), plantar comida, plantar e colher comida que chega na mesa dos brasileiros. Plantar em sistema agroflorestal, respeitando o ritmo da natureza, sem veneno para contaminar solo, rios e humanos. Sem veneno que causa doenças como câncer de mama e desregulação endócrina.
Para encerrar, cito uma parte essencial do livro de Ana Manuela: “a produção de alimentos e outros produtos para exportação, agora todos eles mercadorias com preço regulado na bolsa de ações, só poderia aparecer para a sociedade sob a forma do espetáculo, […] dando essa dimensão de amplitude do setor e fazendo com que tudo isso adquira naturalidade e proximidade com as pessoas”.
“Terra e Paixão” tem, infelizmente, tudo para ser um folhetim de sucesso, pois é um reflexo da hegemonia do agronegócio brasileiro, pautada durante décadas, incessantemente em diversos meios culturais e midiáticos, com forte apoio do jornalismo e do Estado.