Economia da Paixão: aluguel e revenda

By Fashion Revolution

2 years ago

Exemplos de modelos de negócios de moda ancorados ao movimento da Economia da Paixão, por *Paula Costa

Se em alguma medida estamos superando uma crise sanitária, que chamou muito a nossa atenção para princípios
humanitários, não estamos nem no começo da crise econômica que tende a reforçar esta mesma alerta. Entre o
poder de compra que cai e a inflação que sobe, muitas marcas estão perdidas e tentando recorrer às velhas
fórmulas como abaixar os preços e simular promoções. A cada nova medida, os estoques só acumulam e a
conclusão é: a conta não está fechando. O plot twist esbarra em uma outra crise, a climática, e depende da visão
sustentável da nova equação entre preço e valor, onde olhamos para números pelo viés mais qualitativo.

Se estamos falando de qualidade, logo pensamos em cuidado, afeto, respeito e empatia com a natureza, com as
pessoas e, consequentemente, com as conexões e relações que se provam efetivamente as maiores fonte de valor
desta década. Justamente neste contexto temos a ascensão da Economia da Paixão, que pelo movimento de
protagonismo e pertencimento, traz o resultado através dos laços que formam comunidades e seus potenciais de
impacto – e aqui vale lembrar da lúcida fala de Brand Smith, presidente da Microsoft, durante o WebSummit de
2022, que de certa forma enfatizou a importância de encontrarmos formas de traçar elos coletivos para enfrentar
os desafios complexos da atualidade:

“Para evitar o colapso climático, o mundo precisa ser ‘net zero’ até 2050. Isso significa que as 51 bilhões de
toneladas de carbono emitidas anualmente precisam cair para 12 ou 10 bilhões. Vai ser a coisa mais difícil que
a humanidade já teve que fazer. Precisamos fazer mais do que qualquer geração já fez, e em menos tempo.”

Esta evolução da economia sustentável guiada pela formação de comunidades impulsionadas pela era digital,
fomenta o surgimento de aplicativos e lojas online e físicas voltadas para a revenda e o compartilhamento: a
economia compartilhada deve bater o crescimento de mais de 300 bilhões de dólares até 2025 (PwC), quando o
mercado de revenda estima atingir 47 bilhões de dólares – o triplo do que alcançou até 2021 (Jefferies).

O PODER DO AFETO

Recentemente fiz um post durante uma viagem pela Itália e uma amiga comentou que estava procurando um
chapéu como o que estava usando na foto. Não tive dúvidas, a presenteei com o chapéu na primeira oportunidade
e me lembrei do sentimento de ter crescido compartilhando o guarda-roupa e herdando peças da minha irmã e da
minha mãe e também as passando adiante, para primos e outros familiares. Em alguns momentos houve conflito,
confesso, mas essa prática de troca e pertencimento, mantinha um campo de afeto precioso, o que se faz a
verdadeira ancora para a criação e manutenção de comunidades. É genial como alguns dos negócios de aluguel e
revenda de roupas, já exploram práticas onde o produto é apresentado não somente pela sua descrição técnica,
mas também emocional, atribuindo os vínculos afetivos dos últimos usuários àquele item.

Todos os objetos, principalmente as roupas e acessórios que nos envelopam e nos posicionam, acompanhando passagens da nossa jornada, contam uma história. O que significa que, tratar uma roupa como um “simples”pedaço de pano sem respeitar o seu ciclo de vida e cuidar da sua origem e destino, é insustentável para além do ponto de vista ambiental.

Este valor da narrativa e do significado, é o que se soma na avaliação de preço do que hoje já são 61% de adolescentes declarando ter comprado itens de segunda mão na última estação, frequentando brechós, explorando o reuso criativo e nostálgico da produção de moda e 56% dizendo ter revendido roupas nos últimos tempos, segundo estudo da Piper Sandler. Claro, tudo isso também diz sobre um contexto onde mais de um quarto da geração Z planeja otimizar gastos em 2023 (Instagram + WGSN).

Estes percentuais estão chamando a atenção de marcas como a varejista de esporte e bem-estar Lululemon, que
visando metas sustentáveis rigorosas até 2030, após realizar o teste de uma plataforma de recommerce, lançou
oficialmente o programa “Like New”, voltado para a revenda de itens usados. Maureen Erickson, VP de Global
Guest Innovation da Lululemon, disse à CNBC que o cliente da Like New tende a ser mais jovem e é um consumidor que se baseia em valor, e completou “Cada marca está tentando descobrir como podemos viver em um futuro mais sustentável. Esta é uma prioridade global para nós.”.

Mais recentemente, durante a NRF, maior evento de varejo global que acontece anualmente em Nova York em
janeiro, ouvi dois dados que me chamaram a atenção:

  • O mercado de revenda de produtos de luxo representava R$185 bilhões em 2021 e neste ano de 2023
    sua previsão é de R$397 bilhões (LePrix);
  • A loja de departamento Saks realizou uma pesquisa na qual 80% dos consumidores declararam interesse
    em revender e comprar itens de segunda mão na loja e, assim, vem expandindo parcerias com negócios
    como a Fashionphile. Vale observar como essa união entre o potencial de escalabilidade de grandes
    negócios, como a Saks, e a inovação de negócios menores como a Fashionphile é bastante potente.

PRECISAMOS COBRAR E CONTAR COM AS MARCAS NO PALCO DA SUSTENTABILIDADE

Em outra passagem icônica do Web Summit 2022, a ativista climática e fundadora do Climate Cordinals declarou:
“100 empresas são respostáveis por 71% das emissões industriais poluentes do mundo”. Portanto, assim como a
Lululemon, outras empresas precisam mergulhar na Economia da Paixão, tomando consciência do seu papel de
protagonismo e pertencimento no ecossistema, para desenvolver mercados sustentáveis como o de aluguel e
segunda mão, inclusive apoiando iniciativas de agentes da Economia da Paixão independentes e aqui me refiro a
alguns pequenos negócios como a brasileira Clorent, que trabalha iniciativas de aluguel e revenda.

Contudo, não podemos esquecer que por trás de empresas estamos nós, como consumidores e profissionais.
Devemos encarar este contexto abraçando nossos papeis na cadeia da moda e, para isso, aqui vão algumas dicas
de reflexão:

  • Pergunte: como o movimento #QuemFezMinhasRoupas do Fashion Revolution sugere, os
    questionamentos são um bom ponto de partida para o despertar da consciência dos nossos papeis
    pessoais e coletivos em torno da sustentabilidade;
  • Ouça: quanto muito temos a aprender, a escuta ativa, criativa e interessada frequentando diferentes
    núcleos e fontes, está entre as ferramentas mais poderosas;
  • Intencione e pratique: não basta abrir os ouvidos e aprender, é preciso intencionar e praticar novos
    hábitos e comportamentos, assim como testar novos modelos de negócios e o uso de novas tecnologias
    que estão nos abrindo caminhos mais sustentáveis de vivência e convivência;
  • Ensine: além de ser uma das formas mais eficazes de reter um aprendizado, ensinar – com paciência e
    afeto – é um princípio importante para a sustentabilidade, uma vez que dependemos da colaboração em
    escala para gerar um impacto efetivo.
*Paula Costa é comunicóloga formada em Publicidade e Gestão de Varejo pela graduação e MBA da ESPM, especializada em inteligência de mercado, pesquisa de comportamento e consumo e análise de tendências, co-autora do livro Economia da Paixão e professora de MBA e Pós Graduação pela ESPM e IED. Baseada na Europa, realiza pesquisas de tendência e acompanha eventos de inovação no mundo todo, ministra talks, workshops e consultorias voltadas para cultura de inteligência estratégica e inovação e lidera a área de Marketing & People da empresa de inteligência e criação para o varejo Vimer Retail Experience.
Instagram e LinkedIn | @paulacoliv
Linktree: https://linktr.ee/paulacoliv