Corpas de mulheres trans e travestis e seus descumprimentos com os processos de pesquisa da moda colonial
Por: Mauroá Spineler
Me chamo Mauroá Spineler, sou de Fortaleza – Ceará, trabalho como produtora, designer, curadora e atualmente estou no cargo de Diretora de Arte da plataforma de desenvolvimento de pesquisa voltada para moda e artes plásticas, Corpas Decoloniais, que atende ao público trans, travesti e não-binário.
Sempre falo que o Corpas é uma incubadora, uma vez que essas pesquisas são desenvolvidas por corpas-não-coloniais fora dos padrões coloniais que a moda e o mundo da artes estão sempre promovendo. Nós voltamos o olhar para as corpas em desenvolvimento artístico e expressivo.
Partimos das reflexões que esta grande cadeia produtiva nos faz sentir: animais reprodutores, que precisam ver novas formas de lançar tendências e novos complexos de produtos para uma rede de consumidores doentes e com fome de nada, animais férteis que produzem fora de seu período, pois, caso o contrário, a moda engole e a arte esquece quem somos. Nesse sistema, nossas corpas não podem ficar paradas; tendem sempre a fluir o ritmo e não construir ponte entre fronteiras.
Nós mulheres, nós transfemininas, eu travesti, sentimos a necessidade de criar experiências, viver sempre em posição de trabalho onde nada é fixo ou certo, tendo que se adaptar a espaços sem estrutura ou significado.
A verdade não dita é que corpas como as minhas levam, dentro de si, uma grande vontade de viver, não é contrário. Mas nos tira a vontade de viver também o sistema não só da moda, mas também esse sistema dentro de equipamentos culturais que sempre nos coloca no lugar do corpo agressivo.
“Meu corpo transmite medo. Eu sinto o medo das pessoas. E o medo é um processo de pesquisa que deve ser minimamente estudado, o medo que se transforma em agressão e nos tira a paz e a vida.”
Estilistas: olhem para processos de pesquisa desenvolvidos por nós, olhem para si e vejam o privilégio que carrega o seu corpo e nos insere nesse mecanismo que nos expulsa a todo momento. Deixo claro aqui – talvez fútil ao olhar de alguns – meu sentimento à moda brasileira, moda essa que não sabe desenvolver novos olhares e novos rumos.
Quem está no poder não tem pleno conhecimento social e a moda é um estudo social, estudo da minha corpa animal que busca sempre por alimento. Peço que não se queimem com essas palavras, inclusive sigam e continuem fazendo o que fazem na mesmice de sempre, mas o traviarco está por vir e vai ensinar como é que se faz.
No mês de outubro de 2023, vivemos um mês de imersão no desenvolvimento de pesquisa de 10 mulheres trans, travesti e pessoas não binárias, processos esses que tomam rumos e criam novas formas de pensar, ocupamos e vamos continuar ocupando espaços com processos muitos loucos com diferentes referências e histórias de vida.
Acredito que os percursos formativos não são acessíveis à transgeneridade, a cultura não é acessível. Como em todos os movimentos sociais existentes na história da humanidade existem classes dentro de nossa causa que não são atendidas seja economicamente, seja em assistência social ou educação. Isso não significa que a luta não é igual, é igual e até mais necessária vindo de quem não tem condições, é muito mais real e verdadeira, muitas líderes de movimentos que acolhem nossas corpas não tem estudo, e muitas vezes por não ter, o movimento que acontece naquele local na mudança de realidade, de um novo olhar se perde por falta de recurso, recurso esse que só é repassado se houver um grande texto que faça a pessoa que ler se sentir melhor.
Não que isso seja um problema: o que estou mostrando aqui é um processo de pesquisa chamado “califórmio”, que busca entender de forma minuciosa o que esse mecanismo de cidade, que forma o minha corpa enquanto um animal reprodutor, e uso minha corpa como símbolo de medo, mas que olha e ver um grande “califórmio”
Califórmio, no estudo de Mauroá Spineler, significa grande buraco, que pode ser interpretado através do seu ânus como máquina de reprodução, mecanismo construído para me destruir e desmistificar meu corpo até que só sobre a brutalidade das almas que me desejam mal.
“O maior medo do patriarcado é uma travesti liberta.”
A economia gira em torno de nossas corpas mas não nos favorece. A economia do design, economia da moda não nos favorecem. Digo e continuaremos dizendo até que sejamos escutadas; até aqui só fez sentido porque nós estamos juntes, estamos desenvolvendo e criando um novo sistema. Falta emprego, isso falta, um grande medo é ter uma travesti no poder, mas mesmo assim o maior medo do patriarcado é uma travesti liberta.
Por fim, queria pedir que, se você puder, contrate mulheres trans, homens trans, travestis e pessoas não binárias, não para ajudar a mudar nossa realidade, mas sim para mudar a sua, também.
Meu nome é Mauroá Spineler Almeida de Farias, sou travesti, filha de costureira, vejo a vida por todos os lados e vivo por todas elas, não paro, estou sempre em transmutação, causando medo e mostrando que o medo nem sempre é ruim, que sentir medo é um processo de pesquisa.
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