Como o Conhecimento Indígena é a Chave Para a Sustentabilidade
Este artigo é uma adaptação do Ensaio feito pela Margarida Albuquerque para a London College Of Fashion / University Of The Arts London, intitulado de: How Indigenous Knowledge Holds The Key For Sustainability: A Material Cultural Approach To Sustainable Design (2021).
Ao longo dos últimos anos, e da última década especificamente, “sustentabilidade” tem sido um termo cada vez mais utilizado com cada vez mais nuances. Quando se fala em sustentabilidade fala-se de harmonia – o equilíbrio de um sistema, onde todos os seus integrantes contribuem harmoniosamente para o seu todo. Esta ideia aplica-se, naturalmente, aos mais diversos aspetos da nossa vida como, por exemplo, o social, o económico e o ambiental. Contudo, neste blog post em específico iremos focar a nossa atenção em Sustentabilidade Ambiental com o propósito de desafiar a definição que a EPA (U.S Environmental Protection Agency) utilizou no livro Sustainability and Social Change in Fashion:
“a capacidade de manter ou melhorar os padrões de vida sem danificar ou esgotar os recursos naturais para as gerações presentes e futuras” (2019)
Iremos explorar como o design sustentável é severamente comprometido numa sociedade ocidental capitalista e como outros sistemas, como o Sistema Sociocultural Tribal, têm prosperado neste âmbito durante séculos! O objetivo é mostrar como é que um sistema de crenças que se baseia na coexistência humana com o mundo natural tem influência sobre a criação de um ecossistema e sobre as pessoas e seres que o rodeiam. De acordo com Fletcher, o termo “design” deve ser encarado como um influenciador e promotor da mudança social.
A globalização motivou um sistema sociocultural comercial através do qual as diversas comunidades estabelecem relações entre si através do comércio. Segundo, Eicher e Evenson (2015) “A economia comercial baseia-se na produção de lucro para grandes empresas, que concentram as suas energias na determinação e realização dos desejos do consumidor”. Nos últimos tempos tem-se verificado um crescimento na utilização do termo “sustentabilidade” que, em parte, se deve à reflexão sobre as falhas deste mesmo sistema. Quando os fatores que mais pesam no todo são o crescimento económico e a prosperidade, a sustentabilidade irá ser sempre um valor colateral e secundário. Neste cenário, crescer em receitas é a forma preferencial de desenvolvimento e prosperidade do indivíduo que só assim conseguirá ter acesso aos bens essenciais, com a desconsideração pelos efeitos ambientais.
Não é novidade que esta filosofia danifica o meio ambiente e, por conseguinte, ameaça a sobrevivência de várias comunidades a nível global. A preocupação generalizada sobre os impactos ambientais nefastos motiva diversas empresas e negócios a olharem para alternativas relativamente à forma como operam. Tal poderá ser porque incorporam este valor na totalidade da sua atividade ou, simplesmente, porque o produto ou serviço que é “amigo do ambiente” tornou-se uma grande motivação ao consumo por parte do consumidor. Em alguns casos, poderemos mesmo dizer que sustentabilidade passou a ser um termo aproveitado pelo sistema de forma a tentar remediar os efeitos colaterais das suas atividades e não um objetivo final por si só.
Contudo, existem mais sistemas que vão além dos valores e objetivos meramente económicos. Acreditamos que devemos estudar diferentes culturas e aprender com diferentes sistemas. Esta abrangência permite o reconhecimento e aceitação de outras culturas como a norma e que fiquemos despertos para as diferenças e qualidades especiais. É o caso do Sistema Sociocultural Tribal, seguido por comunidades indígenas, cujos valores centrais são a comunidade e a terra, em contraste com o crescimento económico. Nestes sistemas, a ideia de sustentabilidade parece ser mais realista e mesmo essencial ao bem-estar destas comunidades.
Se aplicarmos essas noções à disciplina do design e vermos como a mesma é praticada nos dois sistemas, será possível compreender as diferenças fundamentais relativamente aos valores alocados a esta atividade e quais os principais problemas associados ao design capitalista.
- Na sociedade capitalista, são os mercados que impulsionam a economia. Para que a economia prospere, é necessário desenvolvimento rápido que, consequentemente, motiva designs rápidos e a reformulação desses mesmos designs vezes sem conta. Eficiência é a palavra de ordem. Esta sociedade caracteriza-se pelo sobreconsumo, onde os itens são descartados antes que se tornem obsoletos, numa corrida atrás do modelo mais recente. Como pode o design ser sustentável se o objetivo é substituí-lo antes que chegue ao final de ciclo da sua vida?
- Por outro lado, existem culturas que mantêm muitas das suas características tribais até aos dias de hoje. Estas culturas dependem daquilo que a natureza tem ao seu dispor para a criação de designs, utilizando os seus próprios artefactos na produção de roupa, artigos para casa e outros itens necessários para o dia a dia. A isto se chama uma economia de subsistência.
No segundo caso, estamos perante uma economia assente num sistema guiado pelos valores humanos e da natureza. Tal oferece uma alternativa à forma como consumimos na atualidade e, consequentemente, à própria experiência do design. Tudo está interligado com sustentabilidade: apenas bens essenciais são produzidos, com materiais e técnicas naturais e onde o sobreconsumo e o desperdício são realidades distantes.
Podemos mesmo dizer que a sociedade capitalista tornou-nos a todos mais céticos e desconectados do mundo natural que nos rodeia. O individualismo é inevitável e só aqueles ou aquilo que participa diretamente no nosso círculo individual interessa como se as consequências das minhas ações não importassem para os demais. Todos nós tornamo-nos menos conectados aos lugares, à natureza, às nossas pertenças e tudo passou a ser substituível.
A incorporação do conhecimento indígena permitirá desafiar aquilo que o Ocidente define como “design sustentável e bom”. Poderemos mesmo dizer que existe aqui um enorme potencial que assenta na aceitação das diferentes abordagens pelos dois sistemas que, por sua vez, originará um novo modelo, enriquecido e evoluído. Por um lado, temos a eficiência do desenvolvimento tecnológico ocidental e, por outro lado, os conhecimentos indígenas sobre ambiente, artesanato e adaptação ao meio ambiente. Esta interligação permitirá uma forma mais ponderada, consciente e eficiente de fazer design.
É esta capacidade que as comunidades indígenas apresentam para se adaptarem às alterações climáticas que todos nós precisamos de aprender a fim de sermos capazes de contornar a crise climática. A forma de criar e o design tem de ser mais resistente e de se adaptar às novas condições ambientais que estão a recriar ou a mudar as nossas necessidades básicas – algo que o design moderno não conseguiu fazer mas que o artesanato indígena tem vindo a fazer há séculos.
Um dos grandes desafios que temos pela frente, relativamente à sustentabilidade, é a capacidade de diversificar o significado de sustentabilidade e de bem-estar. Por sua vez, a incorporação de conceitos indígenas em sistemas políticos, normativos e de investigação oferecerá uma plataforma mais inclusiva para provocar estas conversações relativamente aos objetivos e resultados esperados e porquê.
Os valores que estas comunidades transmitem permitirão transformar a forma como hoje as comunidades ocidentais pensam no design. Em vez de tentarmos não esgotar todos os recursos naturais, tentaremos melhorá-los com design para criar mundo melhor, não só para nós, humanos, mas para todos os seres vivos, voltando a viver em simbiose com a natureza e não acima dela.
No fundo, resumimos estes atos à palavra “reciprocidade”. É este o principal valor que as comunidades indígenas utilizam na resolução de problemas. E não é isto que é o design: a resolução de problemas? A adoção de valores intrínsecos ao mundo natural e à natureza não descarta a necessidade da inovação tecnológica. De facto, podemos transformar e desenvolver a tecnologia de forma a ajudar-nos nesta jornada de criar um mundo melhor através do design. Tanto a tecnologia como conhecimento ambiental são os ingredientes-chave para sustentabilidade; e o conhecimento indígena é essencial para entendermos como podemos alcançar esta visão. Como Padovani disse em 2017:
“Se conseguirmos ultrapassar a destruição, não teremos de escolher entre o microchip ou o curandeiro. Ambos podem levar-nos a novas curas, se abordados de uma forma responsável e ética.”