Carta para o Rebento

By Fashion Revolution Brazil

2 years ago

*por Rafael Silvério  
 

Há alguns dias ando assombrado pelo pensamento da paternidade, no exercício da perpetuidade, em me projetar ou me ver de alguma maneira espelhado do que sinto, sou e atravesso pelo mundo. Contar histórias que justifiquem o nosso arsenal herdado pelos nossos antepassados, ansiando revelar o motivo do porque eu tenho esses olhos densos e o modo misterioso de quem espreita nos eclipses da vida. Porém quando mais me afundo nesse ideal,  mais me chafurdo em dúvidas, que me fazem temer o futuro, me lançando contra um lamaçal ansioso, enquanto eu tento me agarrar ao momento, estas são afiadas como uma ponta de lança.

A sensação de sobrepeso e o niilismo de sentir que tudo que tinha sentido foi esvaziado. Como a humanidade padece em uma doença nem sempre silenciosa, viver se tornou sobreviver entre os mais fortes, com relações que passaram a ser cada vez mais artificiais e sempre em busca de saciar um burraco que não se acaba. 

Tal ganância, que explora de maneira infindável os recursos não renováveis, instaura uma política extrativista que não pensa em seus descendentes, ou na possibilidade de sonhar com futuro. Esse fato aumenta o que muitos especialistas nomearam como ansiedade ambiental. 

Aqui, é a parte que eu quero eximir minhas responsabilidades, e penso em apenas escapar apelando para qualquer tipo de medicação que me entorpeça, e logo me deparo com uma indústria farmacêutica cada vez mais nociva na criação dependência emocional e física em seus usuários e leviana ambientalmente.

Mesmo nessa fantasia obscura que é esse sentimento pátrio, como seria eu capaz de trazer mais um para lidar com anos de irresponsabilidades e fome projetada por um egoísmo embalado em progresso – estaria eu apenas reproduzindo meu ego de cumprir o socialmente esperado em uma etapa reprodutiva?

Desde 1972, o Dia da Sobrecarga da Terra (Overshoot Day, em inglês) é antecipado. Este conceito foi originalmente desenvolvido pelo instituto independente britânico de pesquisas New Economics Foundation, uma organização parceira da Global Footprint Network. De acordo com os cálculos da Global Footprint Network, a demanda por recursos ecológicos renováveis e os serviços que eles fornecem é atualmente equivalente a mais do que 1,7 Terras. 

Uma dívida ecológica, e estamos pagando juros altíssimos que impactam em escassez de alimentos, erosão do solo, acúmulo de CO2 na nossa atmosfera – toda essa dinâmica traz custos humanos e monetários devastadores. 

Mesmo o ápice pandêmico, em 2021, não foi o suficiente para conscientização de uma classe que tem poder de decisão de impor práticas com cunho retardador dos impactos ambientais que estamos vivendo. Os picos de calor que a Europa (França e Espanha bateram 40 graus – 19 de Julho) e as temperaturas baixas que tivemos no Sudeste Brasileiro neste ano, em pleno Outono, são indícios cada vez mais tangíveis que o caminho que estamos tomando esta tornando cada vez mais desafiador para uma conversão.

A regeneração é um processo que só acontece quando se pode aceitar o lado mais vulnerável de si mesmo a fim de chegar no cerne da questão e atingi- la com propriedade. A sensação de tempo espaço completamente deturpada mediante os traumas do isolamento social, realmente nos fez mais conscientes de nossas vontades, e responsivos por cada passo ao longo do caminho? Ou depois de tanta recessão de recursos humanos, queremos continuar reproduzindo de forma descompromissada com o futuro e gozar o agora?

Conseguimos ser gratos e entender realmente tudo o que temos em mãos como soluções para uma vivência terrena que seja digna na nossa própria jornada no encontro de nossos propósitos, ou estamos apenas bebendo no mesmo cálice do néctar dos deuses de maneira a saciar esses impulsos mais mesquinhos? 

Mesmo que eu prometesse a mim mesmo apagar sempre todas as luzes, e estar mais e mais consciente das minhas escolhas de consumo, sei que haveria uma diminuição na pegada de Carbono, mas, a minha interpelação se preocupa também com o que é o meu legado. 

O suficientemente bom para compartilhar e perpetuar, a fim de construir um amanhã digno o suficiente para os meus descendentes diretos ou não?

Os olhos de minha mãe se apagam um pouco mais, todos os dias, e eu me temo que tudo que ela me ensinou morra comigo. Como posso dar continuidade a tudo que ela viu do mundo e transformou em ideiais para construção do que ela acredita? 

Será que eu teria a bravura de lutar por um ambiente digno para que mais possam dividir toda a mitologia que aprendi nos eclipses dela? 

Quanto mais os anos passam, menos habilidosos em falar coisas difíceis nos tornamos, então, compartilho parte dos corredores mal iluminados da minha mente, na tentativa de que as palavras atravessam a inércia da passividade. 

É sobre o agora, já afetado por péssimas escolhas de gerações passadas e por esta, contemporânea, estou cansado, mas não o suficiente para desistir de tudo.

Por mais que doa, ainda escolheria viver nas últimas. Gostaria muito que você também tivesse sua oportunidade, assim como outro galho da sua Baobá Genealógica.

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Rafael Silvério
Formado pela Faculdade Santa Marcelina em Desenho de Moda (2013) e pós-graduado pela UNIP em Negócios Internacionais e Comércio Exterior (2016)