Transparência não é tendência, é necessidade
Conversamos com organizações do setor para entender a importância, desafios e avanços da prática
Quando o edifício Rana Plaza desabou há 7 anos em Daca, capital de Bangladesh, matando e ferindo milhares de trabalhadores, foi preciso vasculhar os escombros, à procura das etiquetas das roupas, para descobrir quais marcas estavam ligadas às cinco confecções instaladas naquele prédio. Tornar invisível processos e pessoas na cadeia produtiva da moda custa muito caro.
É nesse contexto que a busca por transparência tornou-se um dos principais objetivos do Fashion Revolution e deu origem ao Índice de Transparência da Moda, implementado desde 2016 pela instituição global, desde 2018 no Brasil e com sua primeira edição mexicana cotada para 2020. O projeto analisa, revisa e classifica grandes marcas de acordo com a disponibilização pública de dados em seus canais sobre suas políticas, práticas e impactos sociais e ambientais. A terceira edição brasileira está em curso, analisando 40 grandes marcas e varejistas.
Baixe o Índice de Transparência da Moda Brasil 2019
Para o Fashion Revolution, transparência significa a divulgação pública de dados confiáveis, detalhados e comparáveis sobre políticas, compromissos, práticas e impactos sociais e ambientais de uma empresa em toda a sua cadeia de valor. A instituição acredita que a prática gera maior prestação de contas – o que pavimenta um caminho de mudanças reais e necessárias na moda.
Por que transparência importa?
A transparência torna-se cada vez mais fundamental na indústria da moda porque traz luz às responsabilidades de todos ao longo da cadeia de fornecimento e permite o monitoramento público e a ação coletiva de ONGs e sindicatos – o que pode ser uma maneira mais rápida de identificar e resolver problemas. Sendo um caminho – e não um fim -, Edmundo Lima, diretor executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX), afirma sua importância como uma “ferramenta para combater a ilegalidade, a informalidade, a pirataria, o trabalho análogo ao escravo e outros desafios do setor.”
A prática também ajuda a construir a imagem da marca e a confiança dos fornecedores, parceiros, investidores e consumidores. Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT), aponta como os últimos estão cada vez mais interessados em informações relevantes, e destaca que vê “na base dos mais jovens uma preocupação crescente”. Instituir práticas que revelam sobre a origem e desenvolvimento de um produto também é o que Cida Trajano, presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Vestuário (CNTRV-CUT), classifica como “respeito ao consumidor”, pois ele deve ter acesso às informações sobre aquilo que compra.
Transparência não importa apenas para a moda, mas para todas as searas. Pimentel a coloca como um pilar fundamental de todas as relações. Para ele, “temos que caminhar para um mundo mais verdadeiro, de propósito e de valores”, sendo uma tarefa do empresariado, mas também de toda a sociedade, que precisa estar atenta as visibilidades das marcas e empresas e aprender a valorizá-las. “Não adianta eu só comunicar, se a sociedade não valoriza”, afirma.
Os trabalhadores – base do sistema da moda – podem ser beneficiados com a divulgação pública de dados, mas ainda sabemos pouco sobre suas condições de trabalho. O Índice brasileiro de 2019 revela a quantidade de marcas que divulgam como colocam em prática suas políticas de combate ao trabalho escravo: apenas 33%. Essa carência de informações sobre suas ações também abarca outras searas: apenas 30% informam como combatem o trabalho infantil, 10% informam como lidam com mão de obra estrangeira e migrante, 7% com assédio e abuso, e somente uma marca traz informações sobre condições de habitação/dormitórios dos trabalhadores em sua cadeia de fornecimento.
Trajano coloca que as empresas, normalmente, “ficam apenas como um processo de produção fatiado, sem levar nenhum conhecimento para as pessoas que produzem o próprio produto”, ou seja, muitos trabalhadores ficam alheios às dinâmicas produtivas, não tendo acesso a informações públicas e confiáveis sobre aquilo que eles mesmo fiaram, costuraram, desenharam, etc. Como um caminho, a presidenta sugere investir em processos de formação para trabalhadores e fortalecer a transparência como um meio para maior atuação e negociação sindical.
Caminhos para a transparência na indústria da moda
A divulgação de dados públicos por parte das empresas vem aumentando. Eloisa Artuso, coordenadora do projeto no Brasil, diz que é possível notar uma evolução de um ano para o outro; se considerar apenas as 20 marcas avaliadas em 2018 e 2019, houve um aumento de 39% no nível de transparência
Mesmo assim, grande parte do setor ainda fica de fora. Nas edições de 2018 e 2019, respectivamente, 40 e 43% das marcas zeraram. “As empresas ficam mais preocupadas com sua produtividade e competitividade”, aponta Trajano, que vê o movimento acontecendo mais em pequenos negócios e microempresas. Muitas marcas têm dificuldade para publicar suas práticas e processos e entender o que é de fato relevante por conta da moda ser tão capilarizada. “É uma cadeia global, você não sabe como suas roupas estão sendo feitas do outro lado do mundo”, afirma Artuso.
Então, como as marcas podem ser mais transparentes? Para Lima, a tarefa não é fácil, “dada a complexidade da cadeia produtiva dos artigos de moda”, mas o diretor acredita que o compartilhamento de boas práticas, por parte das empresas, pode ajudar a contornar o problema. Já para Artuso, as marcas precisam organizar suas informações com “facilidade de serem encontradas e com facilidade de linguagem”, o que só é possível com um controle eficaz da sua cadeia.
Pimentel acredita que “esse é um movimento que vai se consolidar em boa parte, ou grande parte do mercado”, e quem ficar de fora não integrará mais as dinâmicas do setor, tampouco conseguirá manter-se ativo.
Conseguimos mudar quando conhecemos verdadeiramente a forma como a moda opera. E o que temos conhecido até então é muito pouco comparado a este grande sistema, que emprega milhões de pessoas no mundo todo. Visualizando o que precisa ser melhorado ou transformado, temos a missão de garantir que o futuro da indústria da moda seja capaz de proporcionar trabalho decente, meios de vida sustentáveis, esperança e dignidade para todos os que trabalham nela, das fazendas ao varejo.
Acompanhe o andamento no Índice de Transparência da Moda Brasil 2020: