“Quem fez minhas roupas?” é um primeiro passo na jornada da sustentabilidade na moda

By Fashion Revolution

5 years ago

Dia 24 de abril de 2013 a moda fez história. Nesta data, o edifício Rana Plaza, em Daca, capital de Bangladesh, que abrigava confecções que produziam vestuário para grandes marcas mundiais, veio a baixo levando consigo a vida de mais de 1.100 pessoas e deixando outras 2.500 feridas. Você pode saber mais sobre o acidente aqui: bit.ly/historiaranaplaza.

Diante dessa tragédia, o Fashion Revolution surgiu com o objetivo de dar um basta. Criado logo após o desastre, foi encabeçado pela Orsola de Castro e Carry Somers, na Inglaterra. Inicialmente tratado como “Fashion Revolution Day” (Dia da Revolução da Moda), o 24 de abril era focado em ações de mobilização, mudança de consciência e celebração dos trabalhadores da nossa indústria. Posteriormente, se transformou em “Semana Fashion Revolution”, com uma programação mais extensa de atividades e engajamento. Hoje se expandiu e está em mais de 100 países.

No Brasil, o movimento desembarcou em 2014 na mala da Fernanda Simon. Trazendo na bagagem as experiências de trabalho que teve em Londres, Fernanda começou a estruturar um time e articular nossas primeiras ações nacionais a partir de maio de 2014.

“QUEM FEZ MINHAS ROUPAS” É UM PRIMEIRO PASSO, NÃO O ÚLTIMO

A pergunta que nos norteia é “quem fez minhas roupas”. Sob seu impulso, podemos dar um primeiro passo na jornada complexa e plural da sustentabilidade, ética e justiça na moda.

A questão é uma porta aberta para a criação de uma percepção social, coletiva e por vezes individual, sobre as mudanças urgentes e necessárias em todo o sistema – não apenas da moda, mas também na política, economia, cultura, meio-ambiente e relações humanas. O exercício de sempre perguntar “quem fez minhas roupas” desenvolve uma conexão com nossa consciência: quando prestamos atenção na pergunta percebemos que existe um “quem” antes do “roupas”, e aí reside o principal: vidas estão por trás do que vestimos.

Além de contribuir para desenvolver essa percepção de que existem pessoas reais nos bastidores da moda, a pergunta gera respostas – e atualmente o sujeito do “quem fez” não está contemplado pelos Direitos Humanos e/ou Direitos da Natureza. São diversas as trabalhadoras e trabalhadores da moda desagraciados pela exploração através da escravidão moderna. Questionar nos permite adentrar nas realidades da cadeia produtiva da moda: como não conseguimos transformar o que não vemos, é crucial que elas se tornem conhecidas. Assim, com lucidez, traçamos melhores e mais efetivos caminhos.

Contudo, é necessária muita atenção para que o movimento da moda em prol da justiça e sustentabilidade não seja cooptado e transformado em lucro e investimento vazio. O greenwashing (ou publicidade verde), junto com o socialwashing, podem acontecer com frequência: é um falso discurso sobre práticas e processos sustentáveis; normalmente ocorre uma apropriação da sustentabilidade apenas na imagem e marketing, mas na realidade a mesma não faz parte das políticas da empresa.

Reforçamos como a sustentabilidade na moda não pode ter um fim em si mesma. Além de perguntar “quem fez minhas roupas”, também precisamos saber como elas foram feitas, em que condições, onde e porquê. Como movimento, temos responsabilidade em atuar também com seriedade e aprofundamento para assegurar que a sustentabilidade e justiça na moda não se dissolvam em palavras e práticas não efetivas que apenas sustentam a ordem vigente.

O QUE FAZEMOS?

O Fashion Revolution é um movimento que surgiu com a pergunta “quem fez minhas roupas?”. Diante das respostas – ou da falta delas – atuamos objetivando o engajamento da sociedade na busca por uma moda mais justa, digna e transparente. No Brasil, estamos registrados como uma organização sem fins lucrativos desde 2018, quando nos tornamos o Instituto Fashion Revolution Brasil.

Nos dividimos em projetos online e offline, com foco em comunicação, educação e ações físicas. No primeiro, produzimos conteúdo o ano inteiro sobre moda, sustentabilidade e sociedade, gerenciamos nossas mídias principais (Instagram, Facebook, Pinterest), temos uma coluna na CartaCapital e intensificamos todo mês de abril a campanha #quemfezminhasroupas, que convida pessoas e marcas a participarem desse debate sobre uma nova moda; no educacional, temos contato direto com docentes e discentes de diversas instituições de ensino pelo país que atuam como embaixadores.  

Nossos projetos são variados e misturam o digital com presencial; temos representantes em mais de 50 cidades no Brasil que articulam o movimento na sua cidade, intensamente na semana do dia 24 de abril, através de oficinas, workshops, mesas, encontros, ativismo na rua, etc., em prol dessa reflexão e mudança. Com essa rede de colaboradores, em 2019 realizamos aproximadamente 1.000 eventos em cidades variadas e 114 escolas e universidades, só nacionalmente.

Ainda, desde 2018, acontece o Fórum Fashion Revolution, que reúne apresentações de trabalhos acadêmicos sobre moda e sustentabilidade. Também no ano anterior, lançamos nosso primeiro Índice de Transparência da Moda Brasil, que analisa em que medida grandes marcas e varejistas do país divulgam informações ao público sobre suas cadeias produtivas, em prol de uma maior prestação de contas em relação aos impactos socioambientais do setor. Ambos estão disponíveis para download gratuito em nosso site.

Desde 2014, algumas circunstâncias já foram melhoradas. Mais de 1.300 fábricas foram inspecionadas em Bangladesh e mais de 2,5 milhões pessoas ao redor do mundo questionaram “quem fez minhas roupas”. Além disso, com todas essas ações, criamos conexões que possibilitam mobilizar as pessoas, enquanto cidadãs e não apenas consumidores. Facilitamos conteúdos, cobramos respostas, exigimos uma transparência real e efetiva e fomentamos um senso crítico – não só na hora de comprar e produzir, mas também na forma de pensar, comunicar e criar moda.

NOSSOS PRÓXIMOS PASSOS NESSA JORNADA

Percorremos esse caminho com a crença que a moda pode transformar positivamente. Para isso, já efetuamos diversos projetos e ações na prática, com uma grande rede de apoio; nossa missão é seguirmos cada vez mais atentos e atuantes.

Neste ano, intensificamos nosso espectro político e estamos criando um GT com esse foco; nosso objetivo é desempenhar medidas que incluam a moda em políticas públicas, com estratégias de longo prazo, pois entendemos a necessidade dessa pauta no setor. Ainda, firmamos novos parceiros e vamos fazer a curadoria do espaço de moda, em São Paulo, da Virada Sustentável, um grande festival sobre sustentabilidade que ocorre em 6 cidades do Brasil.

A pergunta “onde estão os negros e negras na moda?” está se transformando em um projeto que vai agir para incluir e acessibilizar pessoas negras nesse universo e traçar medidas anti-racistas para que a exclusão não aconteça. Além disso, nossa comunicação segue a todo vapor. Queremos produzir cada vez mais um conteúdo engajado, informativo e que estimule a criticidade; em breve, teremos uma newsletter e a perspectiva de novas colunas em revistas físicas ou online. Nossas outras frentes, como a educacional e a articulação de comunidades e marcas, avançam ativas e exponenciais.

Seguimos firmes, rodeados de colaboradores e cidadãos que acreditam e lutam por uma moda totalmente justa, ética, sustentável e emancipatória. E, de tanto insistirmos nela, um dia se tornará realidade.

 

por Bárbara Poerner

Comunicação Fashion Revolution Brasil

Foto: Geo Cereça