Precisamos parar de falar sobre “sustentabilidade” se a moda for melhorar

By Fashion Revolution

5 years ago

Texto originalmente publicado na I-D Vice UK por Alex Leach, traduzido por Fashion Revolution Brasil.

 

Precisamos responsabilizar as marcas e exigir que melhorem

Nós sabemos do impacto ambiental da moda faz anos, mas o problema não irá sumir sozinho. A situação climática está nas notícias incessantemente, mas de algum modo a moda está seguindo como se fosse algo normal. Você pensaria que a sustentabilidade seria a única coisa na mente das pessoas, como o derretimento das calotas polares e os incêndios florestais aumentando. Mas de algum modo nós não estamos falando sobre isso o bastante, e quando falamos, nós estamos fazendo-o errado.

Sustentabilidade não significa realmente nada, e isso é um grande problema. Atualmente, a palavra é basicamente utilizada em qualquer coisa que reivindique ser uma melhoria simplória no status quo. Uma marca ou outra é sustentável porque utiliza algodão orgânico para fazer uma coleção de camisetas na moda. Um tênis ou outro é sustentável porque é feito com couro sintético a base de petróleo, mesmo que não saibamos nada sobre sua sola, linhas ou a cola. Porque não há nenhuma definição concreta do que é sustentabilidade – e o que não é – as marcas conseguem se safar com Greenwashing facilmente. Varejistas de Fast Fashion podem se comprometer com objetivos sustentáveis, mesmo que suas empresas são construídas em montanhas de roupas baratas e descartáveis.
A moda destrói ecossistemas por uma complexa rede de emissão de carbono, uso de água, extração de matéria-prima, produtos químicos tóxicos e resíduos. Também é um problema cultural – é sobre o prazer imediato e o desejo sem fim pelo que é novo. Mas nós estamos usando uma palavra sem sentido para descrever uma bagunça infernal de problemas. Isso torna extremamente difícil para os consumidores envolvidos até o pescoço. Até mesmo os profissionais da indústria são confusos.

Sustentabilidade é um jargão, um bônus opcional para marcas que querem atingir um segmento do mercado em ascensão. E, neste momento, ele é opcional. As marcas que não estão se esforçando para diminuir seu impacto ambiental estão recebendo a mesma atenção da mídia daquelas que estão.
Isso precisa mudar. Nós precisamos forçar a responsabilidade corporativa para o topo das prioridades. Precisamos responsabilizar as marcas, e exigir que melhorem. Podemos começar por aposentar “sustentabilidade” como termo favorito, para que possamos seguir para uma conversa mais profunda, uma que realmente reflita a complexidade e a importância dos problemas que estamos enfrentando.

Mas se nós não estivermos falando sobre sustentabilidade, sobre o que devemos falar?

Trocar “sustentabilidade” por “responsabilidade”, como Vanessa Friedman sugeriu na Copenhagen Fashion Summit deste ano, é um bom começo. O que um negócio “sustentável” significa para o público? Não muito. Mas ninguém quer que as pessoas pensem que são irresponsáveis. Ainda melhor, a responsabilidade realmente mostra a complexidade do problema. Você pode ser responsável de algumas formas – por exemplo, na forma você trata seus funcionários – mas irresponsável em outras – usando centenas de litros de água e pesticidas para os desperdícios do Fast Fashion.
Acertar a terminologia é o primeiro passo. E o mais importante, nós devemos dar ao diálogo o status e a urgência que precisa.

Durante o evento de moda masculina em junho, Virgil Abloh apresentou a coleção “Plástico”, de primavera/verão 2019 da Off-White, que contava em seu quarto look o símbolo da reciclagem re-desenhado. O release de imprensa do evento falou sobre o “abuso generalizado do plástico na sociedade”, enquanto os editores falaram sobre o evento ser ao ar livre (os modelos desfilaram por um campo de flores). Ninguém pareceu questionar as práticas da Off-White.
Além do uso do plástico reciclado em algumas malhas – improvável que faça diferença para os negócios da Off-White – não havia nenhum sinal que a marca agia de forma significativa para reduzir seu impacto ambiental. Nem a Off-White ou a New Guards Group, sua empresa detentora, se comprometeu publicamente para reduzir o impacto ambiental, e também não tem um programa de responsabilidade corporativa publicamente disponível.

Se a responsabilidade estivesse no topo das prioridades, como deveria ser, isso seria um desastre de Relações Públicas. Mas ninguém parece ter notado as contradições entre o tema do evento e a falta de transparência da Off-White. Isso é muito mais que apenas um designer. Virgil Abloh não está pessoalmente derretendo as calotas polares ou queimando a Amazônia, mas nós não iremos a lugar algum se não exigirmos responsabilidades das pessoas e exigirmos mais daqueles que estão em evidência. A imprensa da moda deve se prontificar e reconhecer o poder que tem para causar uma mudança positiva. Muitas marcas e fabricantes prometeram melhorar através de iniciativas, como o compromisso com a economia circular do Copenhagen Fashion Summit de 2018. A mídia deveria seguir este modelo.

A imprensa da moda pode ter um grande papel para as mudanças, engajando conversas sobre responsabilidade corporativa e fazê-las acessíveis. Os executivos amam dizer que o consumidor não está exigindo sustentabilidade, mas como o público sabe o que exigir quando é confundido por uma terminologia vaga, exagerada e sem sentido? Nós devemos almejar criar o nível de sofisticação que os consumidores têm quando se trata de comida ou cuidados com a pele. As pessoas sabem que o álcool resseca a pele e que carboidratos viram gordura. Devemos ensinar as pessoas como cuidar corretamente de suas roupas, e como assegurar que serão recicladas. Educá-los sobre quais produtos foram fabricados de maneira responsável, e porque.
A imprensa precisa utilizar sua influência na indústria também. As marcas amam aparecer quando se trata da inspiração de um designer, um look do Tapete Vermelho ou quem aparece na campanha, mas não diz nada quando se refere às práticas do negócio. Isso precisa mudar.

Você precisa nos contar de onde vem seu algodão, se vamos falar sobre seu novo lançamento extravagante.

Os editoriais deveriam mostrar as entradas e saídas de uma produção responsável, a importância da transparência e como identificar Greenwashing. Os editores devem dar o exemplo, negando convites para eventos físicos, e recusando brindes quando visitam showrooms — ninguém precisa de outra caneta ou pendrive com nomes de marcas. Parece ser crítico e detalhista, mas é um pequeno passo para uma cultura mais consciente na indústria.
Porém, o mais desafiador de tudo, a imprensa deve fazer difíceis questionamentos sobre nossos hábitos de consumo. Comprar roupas novas não é um estilo de vida, é um luxo, e deveria ser apreciado de forma responsável. Roupas na moda não são aquisições essenciais, são prazeres superficiais.
Qualquer um que é apaixonado pelo consumo consciente irá te dizer que, uma vez que você abre essa porta, não fecha mais. Assim que você realmente começa a considerar a repercussão dos seus hábitos de compra, você não olha para trás. Há um potencial enorme para uma mudança genuína nos valores aqui. Nós necessitamos apenas dar a essa conversa o respeito que merece.

Não seria melodramático dizermos que estamos falando sobre a sobrevivência da indústria da moda. A imprensa da moda pode dar um ousado passo para o futuro, se reconhecer a responsabilidade e a oportunidade que vem com sua posição no vanguarda da cultura do consumidor. Por um lado, nós somos torcedores para uma indústria que polui fontes de água, dizimam florestas e bombeiam carbono na atmosfera. Mas por outro, nós temos o poder de verdadeiramente trazer mudanças para o melhor.

As pessoas irão escutar, nós apenas precisamos falar da forma certa.

Texto originalmente publicado na I-D Vice UK por Alex Leach, acesse aqui

Tradução: Gabriel Otavio Silva

Foto: I-D Vice UK