O que você deveria saber sobre como o microplástico afeta sua vida
Por Flávia Cesa
Entre mim e você, há um mundo de plástico. Além do tema que nos une, a comunicação aqui só é possível graças a uma série de equipamentos e cabos que começam no meu hardware e terminam no seu. Obviamente, a aplicação deste material não se restringe a nossa comunicação. Está em tudo ou quase tudo o que usamos, a exemplo de roupas, embalagens e meios de transporte. Afinal, o plástico é leve, de baixo custo e durável, o que o torna uma ótima alternativa em substituição a materiais como madeira, metais e fibras naturais.
A primeira resina sintética, o baquelite, surgiu no início do século XX e foi acompanhada pelo desenvolvimento de uma série de polímeros, com o qual também contribuiu a indústria têxtil. Para se ter uma ideia, em 1950, início da produção em massa, consumíamos menos de 2 milhões de toneladas de plástico ao ano. Em 2014, este número saltou para mais de 300 milhões. Se prognósticos dos anos 40 previam um mundo mais colorido, livre de ferrugem, bolor e menos dependente de recursos naturais, dedicamo-nos atualmente a compreender este que é considerado um dos maiores impactos antropogênicos da nossa história.
Com durabilidade estimada entre dezenas e milhares de anos, mais ainda desconhecida se considerarmos a recenticidade da indústria plástica, estima-se à exceção do que foi incinerado, que todo o material sintético introduzido ao meio ambiente, permaneça em sua forma integral ou como fragmentos. Desta forma, o plástico está presente nos mais diversos habitats, incluindo regiões remotas como as geleiras polares. Com a maior parte dos estudos tratando do ambiente marinho, estima-se que, apenas neste local, cerca de 95% do lixo gerado pelo homem seja plástico. Os impactos relacionados a esta presença ubíqua compreendem, dentre outros a proliferação de espécies não nativas, o estrangulamento por objetos abandonados, perdidos ou descartados e a ingestão do material. Apesar de o plástico ser bioquimicamente inerte, ou seja, não reagir com os organismos vivos que com ele interagem, ele carrega uma série de substâncias tóxicas que podem produzir efeitos diversos, como alterações no sistema endócrino e carcinogêneses. E neste sentido, os pedaços menores, chamados microplásticos (inferiores a cinco milímetros), além de possuírem um maior potencial de contaminação, em função da razão entre sua superfície e seu volume, também estão disponíveis a uma gama maior de organismos e são mais difíceis de serem detectados.
As fibras sintéticas como o poliéster, a poliamida, o acrílico e tantas outras, que atualmente compõem mais de 60% do consumo mundial para vestuário, são sugeridas, por algumas publicações, como a forma predominante de microplástico em campo. E vale aqui um alerta para o uso inadequado do termo ”microfibra” como sinônimo de microplástico. Na indústria têxtil, onde a palavra é usada há mais tempo, refere-se a outro significado que não aquele determinado nas ciências ambientais. Desta forma, melhor mesmo é tratar de fibras como microplásticos.
As fontes de fibras poluidoras do ambiente marinho são diversas e incluem equipamentos de pesca (ex. linhas, redes, cordas), têxteis sanitários (ex. fraldas, absorventes sanitários) e geotêxteis (ex. filtros de solo). Mas dentre as de maior destaque hoje, encontra-se a lavagem doméstica de roupas de fibras sintéticas. Apesar das pesquisas serem recentes e ainda sabermos pouco a respeito dos parâmetros que causam maior ou menor desprendimento, estima-se que a lavagem individual de uma peça em máquina doméstica comum libere entre milhares e milhões de fibras no esgoto. Isto ocorre porque, durante a lavagem, os têxteis sofrem intensa ação mecânica e química para retirada da sujeira e as fibras acabam se soltando. E em se tratando de pedaços muito pequenos, alguns invisíveis a olho nu, nem os filtros das máquinas, nem os sistemas de tratamento de esgoto (no Brasil menos de 50% do esgoto é tratado) são capazes de retê-los, sendo assim despejados em cursos d`água.
Mas vamos ao que interessa, apesar da brevidade do texto para um assunto tão complexo, o que você pode fazer pra ajudar? No âmbito geral, consumir menos, sempre. No âmbito pontual, reduza o número de lavagens. Estudos apontam que frequentemente lavamos nossas roupas por puro hábito, sem investigar a real necessidade de tal ação. Mais ainda: deixar de lavar também preserva a qualidade das nossas roupas no sentido de mantê-las com uma boa aparência por mais tempo.
Outras sugestões que você possa fazer para evitar o problema estão em estudo e de certa forma, as diretrizes ainda não foram consolidadas. Isto, em parte, porque existe uma infinidade de possibilidade tanto nas máquinas (sentido do eixo, temperatura, opções de ciclo de lavagem etc.), quanto nos produtos (detergente, amaciante etc.) e nos artigos têxteis (tipo de estrutura, tipo de fibra, acabamento etc.). Nesse sentido, é necessário mais pesquisa, inclusive interdisciplinar para que as decisões tomadas sejam efetivas e claro, dentro do que cabe, passadas ao consumidor. Desta forma, aja solicitando das marcas (de roupas, cama, mesa e banho, de máquinas de lavar etc.), principalmente as de maior poder, que desenvolvam soluções para o problema dos microplásticos e sejam transparentes na divulgação destas informações. The Story of Stuff (http://storyofstuff.org/movies/story-of-microfibers/) , Mermaids (http://life-mermaids.eu/en/), Patagonia (http://brenmicroplastics.weebly.com/project-findings.html) e Rozalia project (http://rozaliaproject.org/) são alguns dos envolvidos em tentar resolver o problema. Espero que este texto, mais do que te desesperançado, tenha te encorajado a também se empoderar da questão e agir dentro da sua esfera. Eu sigo batalhando
Texto enviado por Flávia Cesa como parte de seu mestrado em fibras sintéticas e microplásticos ao Fashion Revolution