O papel das mídias sociais em tempos de ativismo digital
Este trabalho é de autoria de Amanda Pereira Santos (UFG) e faz parte do Fórum Fashion Revolution 2019. As inscrições para o Fórum Fashion Revolution #Digital estão abertas até 10 de agosto: não perca.
Nos últimos anos, a discussão em torno da moda sustentável, aliada à exigência de que as empresas adotem modos de produção mais éticos, cresceu significativamente. No dia 24 de abril de 2013, o edifício Rana Plaza, em Bangladesh, desabou e levou inúmeros trabalhadores à morte, deixando outros feridos. A tragédia sensibilizou profissionais de moda que, em um conselho global, decidiram criar o movimento Fashion Revolution.
A campanha #WhoMadeMyClothes (#QuemFezMinhasRoupas) surgiu como uma forma de aumentar a conscientização sobre o custo real da moda e seu impacto no mundo, levando em conta todas as fases do processo de produção e consumo. Em tempos de ativismo digital, o papel das mídias sociais na promoção de ideias é de extrema importância. O uso das redes para tais fins, portanto, pode também ser uma forma de nós, cidadãos, exercemos cidadania enquanto participantes de uma sociedade. Dessa maneira, a discussão em torno do verdadeiro papel das mídias sociais na difusão de ideais específicos torna-se imprescindível.
Originalmente escrito como um artigo, a metodologia utilizada para executar o trabalho foi a revisão bibliográfica de materiais que abordam o tema da moda sustentável, além das questões do consumo consciente e do ativismo digital. Foi realizada, também, a interpretação dos dados referentes à performance da campanha #WhoMadeMyClothes de abril de 2018, disponibilizados no site do Fashion Revolution.
Os novos meios de comunicação
Em relação aos novos meios de comunicação, esse trabalho considera as definições propostas por Raquel Recuero (2012) na obra A conversação em rede e o conceito de novo poder, cunhado por Timms e Heimans (2018). Recuero (2012, p. 128) entende que as redes sociais na Internet são percebidas como representações, em que as interações entre os indivíduos são apontadas como representativas das conexões dos mesmos. É através do engajamento e das interações com as outras pessoas que os participantes são expostos a novas ideias, diferentes pontos de vista e novas informações; as trocas sociais que constroem conversações públicas, coletivas, permeando grupos e sistemas diferentes, migrando e espalhando-se, de modo a semear novos comportamentos, poderiam ser, então, consideradas conversações em rede (2012, p. 121).
Ainda para Recuero (2012, p. 110), a hashtag é uma forma de criar microcontextos. Funcionaria como uma etiqueta, capaz de classificar a mensagem dentro de macrocontextos específicos que não se referem apenas ao uso da hashtag, mas também ao sentido construído e adaptado pelos próprios usuários. Em um mundo em que a conectividade é onipresente, podemos nos reunir e nos organizar de maneiras geograficamente ilimitadas e altamente distribuídas, com velocidade e alcance sem precedentes. O novo poder é feito por muitos; é aberto e participativo (TIMMS e HEIMANS, 2018, p. 10 e p. 15). Podemos pensar, então, em uma democratização da informação.
Ativismo digital e consumo de moda
Para discutir as questões de consumo de ativismo e moda sustentável, por outro lado, foram utilizadas as obras de André Carvalhal (2016), Lilyan Berlim (2012), Izabela Domingues e Ana Paula de Miranda (2018). Domingues e Miranda (2018, p. 31) argumentam que o ato de consumir não se separa da cultura, estando intrinsecamente associado aos processos sociais. Cada vez mais, o discurso ativista está presente para além das ruas. Hoje, as práticas de consumo e os próprios produtos/serviços oferecidos dialogam com posicionamentos pessoais, de maneira que são vivenciadas como uma afirmação política da sociedade da cultura. Carvalhal (2016, p. 56 e p. 57) aponta que as ferramentas de autopublicação fornecidas pela internet deu poder às pessoas, de modo que o empoderamento social, tecnológico e conceitual teve a capacidade de ampliar nosso nível de consciência, colocando-nos acima das marcas. O consumidor atual é mais do que público-alvo: é também produtor de inovação, co-criador, colaborador, financiador, produtor e disseminador.
Para Berlim, a moda pode, sim, adotar práticas de sustentabilidade, criando produtos que demonstrem sua consciência diante das questões sociais e ambientais que se apresentam hoje em nosso planeta, e pode, ao mesmo tempo, expressar as ansiedades e desejos de quem a consome. Afinal, a moda não apenas nos espelha — ela nos expressa. (BERLIM, 2012, p. 16). A autora acredita (2012, p.147) que a relação “moda-consumo” está passando por uma fase de reavaliação, ressignificação e transformação, de forma que há a possibilidade da consolidação de uma tendência socioambiental responsável na área de design de moda, uma vez que as relações entre consumo, conservação e responsabilidade social vêm sendo repensadas.
A hashtag #QuemFezMinhasRoupas
Todos os anos, o movimento Fashion Revolution lança o Fashion Transparency Index. Na edição de 2019, alega-se que o uso da hashtag #QuemFezMinhasRoupas é uma forma de os consumidores agirem e encorajarem as marcas a fazerem mais em relação aos impactos gerados pela moda. O documento incentiva que as pessoas marquem as marcas nas redes sociais, juntamente com a hashtag, com o objetivo de que a mensagem chegue às empresas e mostre que as pessoas se importam com a maneira como a suas roupas foram produzidas e, por isso, querem a garantia de que os funcionários envolvidos estão sendo bem pagos e respeitados, assim como o meio ambiente está sendo preservado.
Ao todo, no ano de 2018 foram contabilizados mais de 173 mil publicações usando as hashtags, que alcançaram 275 milhões de pessoas e geraram em torno de 720 milhões de impressões apenas durante o mês de abril, o que representou um aumento de 35% em relação ao ano de 2017. Os dados são disponibilizadoss gratuitamente pelo próprio Fashion Revolution, na internet. Cada vez mais, as marcas de moda estão se envolvendo e respondendo, ou pelo menos tentando responder, os questionamentos de #QuemFezMinhasRoupas de seus consumidores. De acordo com o movimento, mais de 3838 marcas e revendedores, incluindo globais como Zara, Massimo Dutti e Marimekko, já responderam com informações reais sobre seus fornecedores ou fotografias reais dos trabalhadores com os dizeres #imadeyourclothes (em português, #EuFizSuasRoupas).
Reflexões
A partir da realização deste trabalho, foi possível constatar, por meio dos dados fornecidos pelo próprio movimento e da relação estabelecida com as teorias trabalhadas, que as redes sociais tiveram, de fato, um papel de extrema importância na propagação da campanha #QuemFezMinhasRoupas. O impacto do uso das mesmas para a divulgação de uma causa de cunho social está, dessa forma, diretamente relacionado à maneira como utilizamos as mídias para o exercimento de nossa cidadania como agentes sociais. Ao pressionarmos as marcas, não apenas adotamos uma posição mais ativa e questionadora, mas também atuamos como co-criadores e disseminadores de ideias (CARVALHAL, 2016).
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