Moda e gênero… o que isso tem a ver?

By Fashion Revolution

4 years ago

Mais de 100 anos após o incêndio que vitimou 120 mulheres na Triangle Shirtwaist, as tragédias em fábricas continuam acontecendo. Mas porquê?

A primeira imagem é na fábrica têxtil Triangle Shirtwaist (EUA), que pegou fogo em 1911; a segunda, de um incêndio em Daca (Bangladesh), em 2019; e a terceira é do desabamento do Rana Plaza (Bangladesh), em 2013. Esses acontecimentos evidenciam as desigualdades e as lutas das mulheres da moda ao longo da história.

O 8 de março é uma data que marca essa realidade. Na matéria “Nada de incêndio: está a verdadeira história do 8 de março”, da Revista Az Mina, a cientista política Lucia Avelar explica o contexto: “em 8 de março de 1857, em Nova York, as operárias têxteis entraram em greve pedindo a redução da jornada de trabalho de 16 para 10 horas por dia e recebendo menos que um terço do salário dos homens. Parte das grevistas foi trancada no galpão e a fábrica foi incendiada. 130 delas foram carbonizadas”. 

Depois, em 1910, Clara Zetkin, militante do Partido Comunista Alemão, propôs no 2º Congresso Internacional de Mulheres Socialistas a criação da data como um cerne para mobilizações em todo o mundo. Conforme o artigo, “diversas manifestações de trabalhadoras na Europa se seguiram desde a proposta da criação do Dia Internacional da Mulher. Segundo [Eva] Blay, a manifestação mais famosa aconteceu em 8 de março de 1917, quando operárias russas do setor de tecelagem entraram em greve e pediram apoio aos metalúrgicos. Essa greve de mulheres teria sido reconhecida por Trotsky como o primeiro momento da Revolução de Outubro, que resultou na Revolução Russa de 1917.” Posteriormente, em 1975, a ONU oficializou o 8 de março como o que conhecemos hoje.  

O incêndio em 1857 faz parte de um contexto muito maior; a movimentação política das mulheres era ativa e muitas se articulavam na busca por emancipação e direitos básicos – não de forma passiva, mas ativa e corajosa. Ainda nesse período, o regime escravagista seguia em vigor nos EUA e Brasil, o que mostra como a luta das mulheres negras por justiça e humanidade acontecia em outra instância. 

A história do algodão tem gênero.

Com a Primeira Revolução Industrial, a passagem do sistema de produção artesanal para o fabril e a invenção do tear mecânico em meados de 1787, as escalas de produção de algodão foram aumentando e a fibra era uma agricultura de exportação relevante do Brasil colônia para alguns reinados europeus. Alguns pesquisadores afirmam até que sua produção foi a primeira a se industrializar.

Em paralelo, no ano de 1838 o trabalho feminino e infantil correspondia a 77% da mão de obra nas indústrias têxteis na Inglaterra. No Brasil, os dados não eram diferentes; embora sua industrialização tenha se iniciado mais tardiamente, na metade do século XIX a força de trabalho feminina correspondia a 62,62% em São Paulo (SP) no ano de 1894. Contudo, muitas eram as dificuldades destas trabalhadoras: elas ganhavam menos que os homens – embora realizassem o mesmo trabalho – e tinham o ofício desvalorizado e constantemente invalidado. Ainda, inserimos o debate racial: onde estavam as mulheres negras nesta cena?

Essa realidade eclodiu na primeira greve geral do Brasil, em 1917, organizada em suma por mulheres da indústria têxtil Cotonifício Crespi, na Mooca, em São Paulo. Durante 30 dias, mais ou menos 400 operárias paralisaram suas atividades e exigiam aumentos de salários e jornadas de trabalho menos longas e exaustivas. 

Hoje, a cadeia produtiva da moda segue composta majoritariamente por mulheres: 75% é a porcentagem do que elas ocupam. Porém, em cargos de liderança, são só 15%. 

As congruências entre trabalho e gênero se apresentam nestas desigualdades, e a moda tem tudo a ver com isso. Para além de camisetas com frases de empoderamento, flores e presentes, a equidade de gênero requer ações concretas e mobilização constante, para que a moda seja uma ferramenta de emancipação que permita não apenas um feliz dia, mas uma feliz vida para todas que plantam, tecem e costuram o que nos veste todos os dias. 

Perguntamos #QuemFezMinhasRoupas para entender quem são as pessoas que produzem nossas roupas, e poder garantir condições justas e dignas de trabalho para todas. Some a pergunta #DoQueSãoFeitasMinhasRoupas e questione também de onde veio a fibra, fio ou tecido das roupas – afinal, tudo tem uma história, inclusive o que nos veste. 

imagens: Triangle Shirtwaist / Incêndio em Bangladesh STR / AFP  / Rana Plaza Rahul Talukder / IWM.org.uk

Por Bárbara Poerner | Comunicação Fashion Revolution Brasil