A transparência como ferramenta para o consumo consciente
O consumidor precisa conhecer as ações socioambientais das marcas para avaliar suas preferências e então poder fazer uma escolha com melhor impacto
por Bruna Tiussu*
Há trechos do Manifesto de Davos de 2020 que se incorporados por marcas irão ajudá-las a justificar sua licença para operar e sua permanência no mercado. Segundo o documento, “uma empresa é mais do que uma unidade econômica de geração de riqueza (…) ela atende a aspirações humanas como parte de um sistema social abrangente”. E ainda “o propósito de uma companhia é engajar todos os seus stakeholders em uma criação de valor sustentável e compartilhada.”
São muitos os fatores que explicam este já claro caminho de transição do capitalismo de acionistas (shareholders) para o de stakeholders. O que nos interessa falar hoje é sobre um fator específico, a percepção do consumidor.
Ao longo de 20 anos, pesquisas do Instituto Akatu vêm mostrando que os consumidores acreditam que o papel das empresas não é apenas seguir o que as leis determinam, mas contribuir para o desenvolvimento da sociedade. Marcas cujas ações estão alinhadas ao desenvolvimento sustentável, sejam elas sociais, ambientais ou econômicas, têm sido cada vez mais valorizadas pelos brasileiros.
A recém divulgada pesquisa Vida Saudável e Sustentável 2020, realizada pelo Akatu em parceria com a GlobeScan, indica que mais de 80% dos consumidores brasileiros esperam que as empresas cuidem do que está sob seu controle operacional — remunerando os funcionários de maneira justa, tratando-os da mesma forma e garantindo que seus produtos sejam seguros e saudáveis —, além de fornecer informações sobre seus processos produtivos. Ao contextualizar esse dado para o setor da moda, entendemos que o consumidor quer saber quem fez suas roupas, em quais condições de trabalho e sob quais critérios produtivos.
A mesma pesquisa mostra que 44% dos consumidores brasileiros recompensou uma empresa socialmente responsável no último ano — na edição 2019 do estudo, este número foi de 41%, comprovando que a intenção tem consistência.
O que esses dados nos contam é que o consumidor pede por transparência, para então poder fazer escolhas com melhor impacto. Ele precisa conhecer as ações das marcas para avaliar suas preferências e decidir qual irá recompensar com um ato de consumo.
É por meio de uma atuação transparente, disponibilizando informações como rede de fornecedores, detalhes da cadeia produtiva, relação com a comunidade, cuidado com o meio ambiente e gestão de pessoas, entre outras, que o consumidor vai (ou não) transformar uma intenção de compra em uma ação de compra. Ao ser transparente, as empresas oferecem “ferramentas” para ele ser um consumidor mais consciente.
As marcas não devem apenas expor suas práticas, mas mostrar a relevância e os impactos delas a todos os envolvidos: colaboradores, fornecedores, sociedade, meio ambiente e economia. Disponibilizar informações atualizadas, fundamentadas e condizentes com a realidade — em oposição ao greenwashing, por exemplo —, deixá-las facilmente acessíveis e utilizar canais adequados ao seu público-alvo são igualmente importantes.
Os itens informações fundamentadas, acessibilidade e canais de comunicação merecem atenção especial. Novamente na pesquisa Vida Saudável e Sustentável 2020, percebemos que 1/4 dos consumidores demandam maior compreensão sobre quais produtos são melhores para a sociedade e para o meio ambiente, especialmente entre os mais jovens e entre os não responsáveis pelas compras. Já o Índice de Transparência da Moda Brasil 2019, realizado pelo Fashion Revolution, indica que as grandes marcas têm muito a fazer no quesito ajudar o consumidor a entender quais produtos são melhores para a sociedade e o meio ambiente, uma vez que apenas 2 das 20 marcas avaliadas informam suas políticas de emissões de carbono e redução no uso de energia, 3 revelam políticas sobre proteção da biodiversidade e 6 divulgam políticas para o gerenciamento de resíduos têxteis e reciclagem.
É evidente a necessidade de as empresas aumentarem e expandirem a comunicação de suas práticas socioambientais. Isso pode ser ainda mais efetivo se feito para além do momento da compra, ou seja, não apenas no rótulo, na etiqueta ou no ponto de venda, e sim oferecendo informações relevantes em websites, redes sociais e até mesmo em ações de comunicação específicas.
Cada vez mais os consumidores estão demandando que as marcas assumam seu papel de agentes sociais transformadores. Estão dizendo que ao criar valor sustentável e compartilhado e uma relação de transparência, disponibilizando informações sobre suas práticas, elas serão por eles recompensadas. Que as marcas vejam isso como um desafio, mas, acima de tudo, como uma grande oportunidade.
*gerente de comunicação e conteúdos do Instituto Akatu