A importância e a invisibilização das mulheres negras na moda através das décadas

By Fashion Revolution Brazil

2 years ago

*por Monica Sampaio 
 

Estávamos na década de 50, quando o movimento pelos direitos pelos direitos civis afro-americanos estava começando e algumas conquistas tímidas já eram vislumbradas. Zelda Wynn Valdes, primeira designer negra de alta-costura, antes tinha sido costureira em diversas lojas onde nunca levou crédito por seus vestidos. Em 1958 ela projetou as primeiras fantasias de coelhinha da Playboy. Pouco se falou sobre ela até a década de 70, quando criou o que foi considerado o seu legado: Meia-calças e sapatilhas no tom de pele dos bailarinos negros do Teatro de Dança do Harlem. 

Ainda na década de 50, aconteceu o casamento que foi tratado com ares de realeza pelas mídias mundiais, inclusive com uma foto dos recém casados indo parar na primeira página do The New York Times. Tratava-se do casamento de Jacqueline Lee Bouvier com o futuro Presidente John Kennedy.  O vestido da noiva, assim como os usados pelas damas de honra , saíram do ateliê da designer afro-americana Ann Lowe. O vestido entrou para a história, mas Ann Lowe não.  Não precisamos pensar muito para saber o porquê.  Lowe frequentou a prestigiada ST Taylor Design School, mas assistia aulas em uma sala sozinha. A escola era segregada. 

Antes de criar o vestido do casamento dos Kennedy, Ann Lowe desenhou o vestido que Olivia de Havilland usou para receber  o Oscar de melhor atriz, mas não recebeu o crédito por seu trabalho, que foi creditado a uma estilista branca, Sonia Rosenberg. Ela foi chamada de “o segredo mais bem guardado da sociedade”, tendo vestido as famílias mais ricas de Nova York, sem nunca receber crédito público por seu trabalho. Ela foi a pioneira em etiquetar seu próprio nome nas peças que confeccionava, dando origem às etiquetas como vemos hoje.Em 1963 ela declarou falência.

 Em 1955, Rosa Parks, que também era costureira, simbolizando a resistência da mulher negra, disse não e mudou toda a história,  se tornando símbolo dos Direitos Civis Americano. Rosa Parks nunca foi reconhecida por seu talento como costureira.

Nos anos seguintes tivemos várias estilistas negras conquistando espaços inimagináveis para as anteriores. Temos Stella Jean, a única mulher negra latina caribenha a integrar o conselho de moda da Itália e Loza Maléombho que teve criações suas no icônico Formation, de Beyoncé.

No Brasil, tivemos  figuras célebres que foram exímias costureiras. Hilária Batista de Almeida, Tia Ciata, nascida no Recôncavo Baiano, entrou para a história como uma das figuras mais influentes do samba carioca, quituteira de mão cheia, Tia Ciata também era costureira, Sacerdotisa do Candomblé e empreendedora nata. Ela alugava as roupas de baiana que confeccionava para os teatros, para que fossem usados como figurinos de peça e para o carnaval dos clubes.

Também em nosso país, na década de 70, surge no cenário da moda, Goya Lopes, revolucionando a moda preta brasileira com estampas de pinturas rupestres e figuras abstratas criadas por ela. Designer têxtil, com experiência em Roma e Nova York, abriu caminho para várias gerações de criadoras de moda no Brasil.

Hoje, temos a excelência em alfaiataria de Ângela Brito; Carol Barreto e sua moda ativista; Naya Violeta e suas estampas criativas; a moda upcycle da Az Marias;  Xongani de Ana Paula Xongani; Kel Ferey e a moda sustentável; Santa Resistência com uma moda autoral e slow fashion; Lia Maria e a Diáspora 009, dentre outras.

O afroempreendedorismo é uma invenção das mulheres negras que, durante séculos, tiveram que se reinventar e driblar o racismo para ter uma fonte de renda. Hoje, mesmo com todas as dificuldades enfrentadas  pelas criadores de moda negros, como silenciamento, dificuldade em patrocínios e créditos em comparação com a realidade de criadores brancos, estamos avançando timidamente.   

Em 2020, o São Paulo Fashion Week obteve paridade racial inédita. Após a mobilização organizada por modelos negras (mais uma vez as mulheres fazendo a diferença), que criaram um coletivo chamado “Pretos na moda”, pela primeira vez, o maior evento de moda da América Latina exigiu que 50% dos modelos fossem negros, afrodescendentes ou indígenas.  O cenário ainda não é o ideal, mas no cenário sócio-político em que estamos vivendo, com retrocesso em todos os campos, a voz e a arte dessas mulheres produzem eco. 

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Mônica Sampaio trocou a engenharia pela moda e tem sua marca, a marca Santa Resistência.